segunda-feira, 15 de julho de 2019

O martírio de quem escreve





Há mais de dois anos que deixei de ser um cliente assíduo do Facebook, por falta de tempo, muito trabalho e pouca gente para o fazer, mas muito especialmente por falta de paciência para ler comentários descabidos sobre todo o tipo de assuntos, noticias falsas, insultos, discussões com argumentação completamente enviesada, erros e mais erros, frases construídas a martelo. Poderia estar aqui a encher páginas descrevendo todo o lixo que se encontra nesta rede social.


Nessa altura, era administrador de vários grupos literários, fazendo a sua gestão e moderação diária e via mais de metade do meu tempo gastar-se a avisar utilizadores que não cumpriam os regulamentos dos grupos e a banir os reincidentes.


Comecei também a notar que uma grande parte das publicações de textos e de poemas, não eram mais que ligações a outras páginas ou grupos do mesmo tipo, que redireccionavam qualquer clique para fora dos grupos que estava a gerir.


Como esta utilização não me pareceu correcta, fiz alterações aos regulamentos de todos os grupos, inserindo uma cláusula que proibia este tipo de publicação enganosa, que apenas se destinava a aumentar o número de acessos e de cliques nas suas próprias páginas e grupos.


Comecei a observar as pessoas que o faziam e cheguei à conclusão que vários deles, chegavam a publicar o mesmo texto ou poema em mais de setenta páginas, todas com a mesma intenção. Angariar visitantes para a sua página. A partir desse momento, deixei de ter contemplações. Rua, rua, rua, expulso, expulsa, fosse lá quem fosse.


Como sou informático e investigo tudo o que me cheira a esturro, comecei a visitar assiduamente, as páginas do pessoal que publicava textos nos meus grupos, e a analisar o tipo de aceitação que tinham nas suas próprias páginas.


Ao fim de alguns meses, cheguei a uma conclusão que me deixou boquiaberto. Foi essa conclusão que inspirou o título deste escrito – “O martírio de quem escreve”.


Vou passar a citar os comentários que uma grande maioria de amigos, seguidores e membros dos grupos de prosa e de poesia, utilizam para manifestar o seu agrado e apreço, aos textos e poemas publicados por escritores e poetas, frequentadores do FACEBOOK.


“Bom dia”, “Boa tarde”, “Boa noite”, “Tenha uma boa semana”, “Beijinhos”, “Parabéns”, “Lindo”, “Lindo. Bom dia”. Este tipo de comentários dirigem-se indiscriminadamente a homens e mulheres e mostram bem que nenhum deles leu o que o “desgraçado” escreveu pois não há nenhuma referência ao conteúdo.


Mas se nos debruçarmos com mais atenção e analisarmos os comentários dirigidos a mulheres que escrevem, verificamos que elas sofrem muito mais que eles (as que se importam, porque há também muitas que não se importam).


Aqui ficam os mais comuns:


“Bom dia” mais um “LIKE”, “Bom dia” mais um “Coraçãozinho Vermelho”, “Bom dia” mais um “Smile a mandar um beijo”, o mesmo para o “Boa tarde” e para o “Boa noite”, o mesmo para “Tenha uma boa semana”, muitos “Corações vermelhos”, muitas “Piscadelas de olho”, e depois os comentários das “Amigas Cabras”, “HOJE estás linda” (ontem não estava), “Como é que está o teu marido”, e o chorrilho continua, mais uma vez a demonstrar o interesse dos comentadores no conteúdo do que foi escrito.


E se para mal da própria, escritora ou poetisa, é gira ou gira e bem-feita, a todos os comentários mencionados anteriormente e que se tornam neste caso muito mais frequentes, vem os outros dos marmanjões do engate: “O poema liga muito bem com a foto da autora - LINDA!”, “mp” (leia-se mensagem privada), “Gostava de falar consigo Envio mensagem com número de telemóvel”; “Adorava conhecê-la pessoalmente. Escreve muito bem”, etc., etc., etc..


Nesta altura eu digo cá para mim: “Esta malta queima as pestanas a escrever para quê?”.

E eu? Estive aqui a escrever esta merda, para quê?


Ah, já sei… para ler o primeiro comentário que vai ser “Bom dia”.


(António Amaral)

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