segunda-feira, 14 de agosto de 2017

O Tuaregue – Memórias I (continuação)


Ela era linda nos seus cabelos negros que cavalgavam o vento. Com dezasseis anos era uma mulher perfeita, esguia, viva, com olhos redondos e brincalhões. Ele, pelo contrário, era desajeitado, magro, desalinhado, habituado a falar apenas com a sua égua parda, a quem confessava a confiança cega que tinha na espada que pendia adormecida, na bainha de aço que a transportava.

Sabia do calor do sol que sempre o ameaçava, do frio que a lua sempre trazia, do vento e das suas tempestades, do seu rosnar, do veneno das serpentes acoitadas nas ervas dos oásis, da água barrenta que o saciava e à sua montada, dos cactos ameaçadores, do ondulado das dunas, dos ataques traiçoeiros das emboscadas, da carne seca por vezes crua, da vontade de descansar, da teimosia, da perseverança.

Sabia isto tudo mas continuava desajeitado, impaciente, casmurro.

Mas, mesmo assim encontraram-se, talvez por sorte, ou porque ela assim quis. Os olhos beijaram-se muito antes dos corpos, as mãos quiseram apertar-se antes da noite, os pés quiseram dançar, antes da música, as pernas quiseram voar antes das asas.

Cada vez que se cruzavam, tudo isto acontecia e os olhares aprenderam a falar melhor que as palavras, as mãos aprenderam a abraçar sem se alcançarem, os pés aprenderam a juntá-los mesmo parados.

Mas o tempo gosta de pôr à prova a vida, a felicidade, a cumplicidade. Ela estava guardada pela mãe, ele muito ausente nas cavalgadas, nos desafios, na hora perdida envolta na areia daquele imenso e tórrido deserto.

E quando ela fez dezassete, o pai farto do calor árido do deserto, das dificuldades, movido pela esperança de melhor encontrar, levou-a para longe, muito longe, sem ligar às lágrimas, ao amor que transbordava, à infelicidade que se instalava avassaladora, aos pesadelos que a atormentavam.

Levou-a, quase a arrastou com ele, atropelou-lhe a vontade.

O Tuaregue viu-a partir, desaparecer uma manhã no horizonte que a apagava das areias imensas, escondendo terras verdejantes, ricas de pastos, com outros sóis e luas mais redondas e ventos mornos que a embalavam.

O Tuaregue montou e correu, galopou pela areia que tão bem conhecia, entregou-se ao deserto, desafiou quem o emboscava, venceu, foi ferido, aprendeu com todos os ardores, com o sangue derramado, com o silvo da espada, com a fome e a sede imensa, com o enganar das saudades.

Tinha de seguir, não podia olhar para trás, a solidão ardia mais que cada ferida, a distância queimava mais que o sol, o vento lembrava-lhe cada segredo. Errante andou perdido por entre tempestades, no meio de abraços de noites que vivia aqui e ali, cobiçado por olhos, desejado por corpos, envolto em lençóis de camas que não aquecia.

E dois anos depois, encontraram-se…


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