A Savana estava a mudar de cor. E
de cada vez que muda de cor é um aviso, um aviso para quem a conhece, uma
ameaça velada para quem a ignora, para todos aqueles que ignoram os avisos que
a pintam, que a tingem como se sobre ela corresse sangue, como se um incêndio a
devorasse e, das suas entranhas vomitasse fogo.
A Savana não sabe o que é
traição, tudo está escrito em cada pedra, em cada poeira, no vento que a
devassa, no sol que a seca, no sabor da água do charco barrento e mal cheiroso.
Tudo está bem presente, tudo se cheira, escrito em carcaças putrefactas, em
esqueletos quebrados que o vento espalhou, nas folhas mortas, nos troncos
quebrados das árvores mirradas.
A Savana escreve os seus
mistérios no horizonte que dança ao som de um sol impiedoso, de um ar que
queima as narinas, que incha os pulmões, que encolhe os ventres vazios, que
embrulha labaredas nos fenos enrolados em correrias. A Savana mostra tudo o que
está escondido, mascara cada armadilha, cobre cada buraco, endurece todas as
pegadas, muda os trilhos de lugar, não deixa os rios chegar.
A Savana calou os risos das
hienas, travou o rugir de cada leão, deu cio a todas as fêmeas, enrolou os
cheiros da gazela atrevida, poupou a elegância da sua beleza, respeitou a pele
do Lobo, enroscou-o na sua companheira.
Na pedra que ladeia o charco de
água barrenta e mal cheirosa, permanece a sombra que os refresca, que apenas os
seus corpos acolhe. A Savana não deixa que a água que desenha aquele espelho
castanho que não reflecte imagens, seque, morra, continuando a saciar os que
acreditam, os que a percebem, todos os que a protegem e nela lavam as
cicatrizes das batalhas onde caíram e resistiram.
O mistério da Savana está escrito
naquele horizonte que os olhos não conseguem olhar.
#2119
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