E a chuva que caía azul e fria,
Inundou o vidro da ampulheta e a
areia secou.
Secou e parou o tempo,
Iluminou a noite que crescia,
Fez descer a névoa que por detrás
se via,
Renasceu a sombra que ainda
resistia,
Ocultou a nuvem entre a folhagem,
Molhou os dois corpos unidos,
Bem dentro daquela imagem.
E um deus cego segurou o nosso
abraço,
Transformou em dom cada traço,
Despejou em cada corpo todo o
carisma,
Que te enfeitiçou,
Que me amordaçou para que o grito
não pronunciasse,
Para que a palavra o momento não
estragasse,
E o amor apenas se sentisse na
lava que derrete a pedra,
Na areia que sucumbe sobre o peso
de cada pé,
Que juntos se afogam,
Na espuma da onda na praia
terminada.
Cada gota da chuva que me tocou,
Cada gota que sobre ti rolou,
Corrida nos cantos das bocas
sofregamente coladas,
Secou as dores das mentes
amarguradas,
Despontou horizontes escondidos
em sonhos,
Acendeu fogueiras sob os umbigos,
Uniu cada ponto que se
assemelhava,
Juntou ao olhar o que nos
escapava.
Cada mão se abraçou,
Cada peito ao outro se colou,
Cada ventre se conheceu,
Cada sexo se penetrou,
E a hora avançou,
E a noite correu,
Todo o desejo nascido cresceu,
Consumiu o ar que havia para
respirar,
Fez-te pecado,
Fez-me pecado,
Transformou-se em fado que se
cantou,
Cresceu e tudo inundou.
E as mãos corridas pela pele
macia,
Fizeram-se amor que por ela
subia,
Acrescentaram ao tacto o que se
adivinhava,
Cobriram vermelhos feitos sedas,
Adoçaram dores antes azedas.
Tudo parou agora,
Tudo recomeçou agora,
Nos corpos unidos,
Nos prazeres sentidos,
Nas vidas cruzadas,
Nas salivas misturadas,
No cavalgar das trevas pelas
paixões partilhadas,
Nas cumplicidades há tanto tempo
irmanadas.
E nada do que se fez se esqueceu,
E nada do que se teve em nós
morreu,
E tudo o que se fez voltou,
E tudo o que se teve nos inundou,
Outra vez agora e desapareceu,
Desapareceu porque o agora morreu,
Mas o tempo redondo, rodou,
E o que antes era, em agora se
transformou,
E no agora te amo,
E no agora me amas,
Permanecendo no agora que se quer
para nós,
Feito vida que logo se esvai,
Feito folha que da árvore cai.
E quando o agora terminar,
Quero que te lembres daquilo que
sou,
Quero vejas tudo o que te dou,
Quero que olhes o brilho que nos
olhos se apagou,
Quero que sintas o calor do
abraço que te mudou,
Quero que oiças os gemidos do
sexo que se soltou,
Quero que percorras cada pegada
que o trilho desenhou.
Mas agora quero-te,
Amo-te,
Desejo-te,
Possuo-te,
Penetro-te,
Remexo-te,
Reinvento-te,
Admiro-te,
Adoro-te,
Aperto-te,
Abraço-te,
Asfixio-te,
Liberto-te…
Liberto-te, para que possas escolher
o próximo agora que chegar,
O agora onde estou e irei para
sempre ficar.
#1539
1 comentário:
Sonho...!
Parabéns,Mestre!
Beijo
Enviar um comentário