Um dia destes li por aí, não sei
bem quando nem onde, um texto com uma “receita” para manter uma relação “estável”,
“permanente” e “duradoura”, e nesse texto dizia-se mais ou menos isto: O
segredo está, não em deixar de fazer-se o que cada um gosta, mas em continuar a
fazê-lo depois, da mesma maneira. Cada um deve fazer com o outro, aquilo que
ambos gostam de fazer e, continuar a fazer sozinho, aquilo de que se gosta e o
parceiro não gosta.
Parece muito bonito este
conceito, o respeito pelo outro parece aplicar-se aqui completamente, cada um
com os seus prazeres, comungando de alguns objectivos, respeitando tudo o que o
outro trouxe consigo… Muito bonito mesmo, tão bonito que dá para pintar um
quadro, compor uma melodia daquelas que se ensinam nos conservatórios,
certinhas nos compassos, nos ritmos, nos sons. Quadros daqueles que nenhum
Matisse, Picasso ou Dali pintariam, melodia que nenhum Chopin, Berlioz ou
Mozart comporiam, porque o génio não nasce na escola, não se aprende na
família, o génio nasce, cria-se e cresce na vida, dentro da cabeça de quem tem
cabeça para pensar sozinho, decidir sozinho, ir por ali não para agradar ou
porque é mais fácil, mas apenas porque por ali é o seu caminho.
Quem me conhece dirá – lá estás
tu, a discordar porque és do contra, porque nunca concordas com nada, nesse teu
prazer mórbido de desafiar os outros, criando conflitos permanentes à tua
volta, esgrimindo argumentos que vais desencantar não sei onde, apenas pelo
prazer da luta e do confronto directo. Até pode ser, não discuto isso, mas a
minha opinião vale o que vale, é tão boa como outra qualquer, nem melhor nem
pior, discutível, controversa, falível como tudo o que é humano. Por isso mesmo
tenho o direito e o dever de a assumir, de a defender, de a modificar, de a
abandonar se me convencerem que estou errado. Querem convencer-me? Força, fico
à espera.
Está bem, vocês têm razão, não me
podem convencer de que estou errado, apenas e só porque ainda não disse o
motivo por que acho que vocês é que estão errados e, que o caminho para
relações “estáveis”, “permanentes” e “duradouras” não passa pelo que li um dia
destes, por aí.
Em primeiro lugar, eu não
acredito em relacionamentos “estáveis”. Acredito sim e muito, em
relacionamentos “instáveis”, muito “instáveis”, daqueles em que nunca sabemos
como será o dia de amanhã (se houver dia de amanhã), ou na hora que ainda não
chegou, enfrentando a cada momento o desafio da improbabilidade, esperando que
possa sempre acontecer tudo, porque quem está ali comigo é uma pessoa como eu,
que tem necessidades, ansiedades, sonhos, segredos, mistérios, coisas que não
conheço e nem quero conhecer, coisas que vou aprendendo de cada vez que essa
pessoa decide reinventar-se, surpreender-me, desafiar-me a construir a próxima
improbabilidade, para que a surpreenda, criando uma nova “instabilidade” em que
se esforce por me agradar, tal como me esforço para lhe agradar.
Sim, porque se a “instabilidade”
acabar, com ela acaba o esforço, a necessidade de reinvenção e a rotina
instala-se, e nasce o desinteresse. As relações “estáveis”, “permanentes” e “duradouras”
são uma seca! Uma grande e enorme seca, se forem realmente “estáveis”, “permanentes”
e “duradouras”. Já estou a ver muita gente por aí com vontade de me bater, pelo
menos já se puseram de pé e a gesticular, mas deixem isso para mais tarde,
porque aposto que a vontade vai crescer e não vale a pena gastarem energias
antes do tempo.
Em segundo lugar não sei o que é “permanente”
e “duradoura”, porque “permanente” é muito tempo (pelo menos para mim) e, “duradoura”
também me diz pouco, podendo significar seis meses, um ano, dez anos, vinte
anos, seja lá o que isso for. “Duradoura”, para mim, significa que dure o tempo
que resistir e não aquele que eu quero que dure. Deve durar apenas e só, o
tempo que ambos quisermos, enquanto eu quiser, enquanto tu quiseres, apenas
esse e nada mais, porque se durar mais vai ser uma seca, uma enorme seca, e o
amor que te tenho vai transformar-se em ódio, e eu não estou preparado para
odiar as mulheres que amo. Eu amo todas as mulheres com quem tive
relacionamentos “estáveis”, “permanentes” e “duradouros”, se é que um
relacionamento de dois anos pode ser considerado assim, ou um de seis, ou de
quatro, ou de vinte e três anos e ainda um que continua há quinze. É verdade,
acabaram mas o amor continuou e ficou, talvez porque todos tenham sido “estáveis”,
“permanentes” e “duradouros” (ou não).
E duraram porque, e apenas
porque, eram e foram sempre “instáveis”, “não permanentes” e “nada duradouros”,
e também porque ambos percebemos que nenhum relacionamento se constrói com
aquilo que arrastamos atrás de nós, mas sim com aquilo a que nos propomos. Nos
propomos, leram bem. Eu e Tu, não Eu, não Tu.
Aquilo que trouxemos não vale
nada, não existe mais, tudo é novo, para aprender do zero, para emendar, para
refazer, para recomeçar. Aprender com o outro, ensinar ao outro, juntar
interesses, objectivos, sonhos, metas, ambições, muitas e enormes ambições em
que valha a pena investir mesmo que pareça impossível, mesmo que antes nem com
elas tivéssemos sonhado, e avaliar o resto, aquilo que fazíamos e de
continuamos a gostar, aquilo de que Tu não gostas, avaliar se vale a pena
insistir ou abdicar.
E no caso de insistirmos, devemos
estar preparados para ceder naquilo de que não gostamos também, naquilo que Eu
não gosto, porque não gostar não significa, nem nunca significou para mim não
fazer, não tentar aprender a gostar do que antes não gostava, ou pelo menos
suportar, mostrar interesse, participar.
Amar, não é dar apenas aquilo
para que estamos preparados, não abandonar a nossa zona de conforto. Amar é dar
mais do que aquilo que alguma vez sonhamos poder dar, fazer coisas que nunca
sonhámos fazer, assumir atitudes ridículas, rir de nós mesmos, ter orgulho de
Te ter a meu lado, ter vaidade em que sejas muito melhor do que Eu, é confiar
nos Teus mistérios e segredos.
Pois é meus senhores, invistam em
relações “estáveis”, “permanentes” e “duradouras” e depois não se queixem. Não
se queixem, no dia em que descobrirem que a vossa relação “estável”, “permanente”
e “duradoura” já tinha acabado há muitos anos e só agora deram por isso. Como
diz o povo na sua sabedoria milenar, “o corno é sempre o último a saber”, e
porque será que assim acontece?
Porque na realidade ao corno só
interessa manter a sua relação “estável”, “duradoura” e “permanente”, na sua
facilidade, na sua preguiça de “vamos fazer juntos o que gostamos e separados o
que não gostamos”. E desta maneira simples “todos vão ficar felizes” e as suas “liberdades”
são as suas certezas mais profundas, sem mais nada, porque o mais não
interessa, o mais dá muito trabalho, a felicidade pode não existir, mas em
compensação temos aquela meia-felicidade que não é nada, mas é “estável”, “duradoura”
e “permanente” quanto baste.
Claro que é mais fácil, e todos
escolhem sempre o caminho mais fácil, a instabilidade é um desassossego
permanente, o permanente não existe e o duradouro é curto, muitas vezes demasiadamente
curto. E o corno só é corno, porque não quer saber, e como não quer, só sabe
quando a verdade se torna enorme e lhe violenta os olhos e o expõe. E quem
gosta de se expor, de mostrar que não vale nada? Ninguém!
Lamento ter-vos desiludido,
lamento ter implantado a dúvida nos vossos cérebros acomodados já a essa
realidade construída com tanto esforço e sacrifício, mas não me consigo calar,
tinha obrigação de vos avisar.
E Tu que estás aí, que sabes que Te
amo, continua assim a surpreender-me, a criar essa incerteza permanente, sem
acreditares que o amanhã existe, mantendo apenas aceso o sonho de que poderá
existir bem melhor que o agora que vivemos, reinventando sempre cada esperança,
desvendando-me mais aquele segredo que desconhecia existir em Ti, mostrando-me
ainda mais a Mulher, muito mais do que alguma vez imaginaria, acendendo outras
paixões, com outros quereres, outros horizontes, para que o amor enorme que te
dou seja insuficiente, pobre, se comparado com o que mereces, para que me reinvente
também, para que me supere, para que cresça, para que seja mais homem, mais
amigo, mais namorado, mais amante do que alguma vez fui ou julguei que fosse
possível ser. Faz-me esquecer-te e lembra-me logo a seguir que existes,
mostra-me toda a falta que me fazes, lembra-me toda a falta que te faço. Voa
comigo.
Fica aqui enquanto quiseres, e se
o quiseres, na liberdade que é só nossa.
#1586
3 comentários:
BRUTAL!
Mais um diálogo interior com a caneta e com a folha de papel...
É uma honra ler estes textos
Beijos
DD
Obrigado, DD. Uma honra é para mim ter-te aqui.
Beijos.
Fabuloso!!!
Verdade nua e crua.
Que se olhe para dentro com verdade e coerência.
PARABÉNS!!!António Amaral.
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