A espada do Tuaregue tinha dois
gumes afiados e reluzentes, e um punho trabalhado. O longo punho arrendado, com
várias gemas vermelhas, já baças, riscadas pelo fustigar das areias arremessadas
pelos temporais enormes e, que ele sempre ignorava nas suas cavalgadas
solitárias.
A espada do Tuaregue pendia-lhe
da cintura, sempre, suspensa do cinto de cordões que lhe ajustava as vestes
largas. A espada do Tuaregue dormia à sua cabeceira. A espada afiada de dois
gumes era um garante, um garante para a sua sobrevivência, para o respeito,
para a sua coragem. A espada do Tuaregue era um símbolo de violência, mas era
também um símbolo de amor.
O Tuaregue amava a sua espada. Era
a sua companheira inseparável, nunca o abandonara, nunca lhe faltara sempre que
lhe pedira ajuda, quantos corpos já golpeara, quantos inimigos já derrotara, o
sangue que por ela correra nunca secara, apenas porque o Tuaregue a amava.
Sempre que acampava, quando a
noite já fazia o frio do deserto sentir-se, trazendo os uivos dos lobos ameaçadores,
o Tuaregue desembainhava-a cuidadosamente, fazendo com que abandonasse a bainha
de aço, e com um pedaço de couro macio, limpava-a. Depois bafejava-a para que
na humidade da respiração, o afiar fosse mais suave, menos agressivo para
aquela lâmina larga que o defendia.
E com tanto carinho a afiava, que
os seus gumes eram iguais no fio que se desenhava, perfeitos, sem ressaltos,
sem falhas. O Tuaregue era fiel aos seus amores, o seu cavalo negro, o seu
turbante azul e a sua espada de dois gumes. Eram os seus grandes amores, os
seus únicos amores na vida errante que levava.
Quando a afiava, sonhava com a
última mulher que tivera, e com a mesma ternura com que afagara o seu corpo nu,
o Tuaregue fazia o sílex percorrer o fio da sua espada, lentamente, como se lhe
quisesse acender o desejo, e a espada vibrava, zunia, imitando suspiros,
gemidos, gozos desmedidos e, a lâmina brilhava reflectindo chispas da fogueira,
como um espelho onde o Tuaregue se via, o único onde se via.
E o Tuaregue sabia que tinha
olhos, olhos que assomavam por detrás do turbante azul, e que a pele que os
rodeava se sentia seca, comida por tantos sóis implacáveis, e lia o que de
dentro se soltava, nos silêncios da solidão em que vivia. Lia a paz da noite, o
desafio do animal que o envolvia nas batalhas sangrentas ou sempre que a cama
não ficava vazia, lia a saudade, o amor que deixara, a paixão que o arrebatara,
o cansaço da cavalgada. Tudo isto se via.
O Tuaregue tudo sabia, porque
amava a espada e a espada lhe dizia.
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