segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A Espada do Tuaregue


A espada do Tuaregue tinha dois gumes afiados e reluzentes, e um punho trabalhado. O longo punho arrendado, com várias gemas vermelhas, já baças, riscadas pelo fustigar das areias arremessadas pelos temporais enormes e, que ele sempre ignorava nas suas cavalgadas solitárias.

A espada do Tuaregue pendia-lhe da cintura, sempre, suspensa do cinto de cordões que lhe ajustava as vestes largas. A espada do Tuaregue dormia à sua cabeceira. A espada afiada de dois gumes era um garante, um garante para a sua sobrevivência, para o respeito, para a sua coragem. A espada do Tuaregue era um símbolo de violência, mas era também um símbolo de amor.

O Tuaregue amava a sua espada. Era a sua companheira inseparável, nunca o abandonara, nunca lhe faltara sempre que lhe pedira ajuda, quantos corpos já golpeara, quantos inimigos já derrotara, o sangue que por ela correra nunca secara, apenas porque o Tuaregue a amava.

Sempre que acampava, quando a noite já fazia o frio do deserto sentir-se, trazendo os uivos dos lobos ameaçadores, o Tuaregue desembainhava-a cuidadosamente, fazendo com que abandonasse a bainha de aço, e com um pedaço de couro macio, limpava-a. Depois bafejava-a para que na humidade da respiração, o afiar fosse mais suave, menos agressivo para aquela lâmina larga que o defendia.

E com tanto carinho a afiava, que os seus gumes eram iguais no fio que se desenhava, perfeitos, sem ressaltos, sem falhas. O Tuaregue era fiel aos seus amores, o seu cavalo negro, o seu turbante azul e a sua espada de dois gumes. Eram os seus grandes amores, os seus únicos amores na vida errante que levava.

Quando a afiava, sonhava com a última mulher que tivera, e com a mesma ternura com que afagara o seu corpo nu, o Tuaregue fazia o sílex percorrer o fio da sua espada, lentamente, como se lhe quisesse acender o desejo, e a espada vibrava, zunia, imitando suspiros, gemidos, gozos desmedidos e, a lâmina brilhava reflectindo chispas da fogueira, como um espelho onde o Tuaregue se via, o único onde se via.

E o Tuaregue sabia que tinha olhos, olhos que assomavam por detrás do turbante azul, e que a pele que os rodeava se sentia seca, comida por tantos sóis implacáveis, e lia o que de dentro se soltava, nos silêncios da solidão em que vivia. Lia a paz da noite, o desafio do animal que o envolvia nas batalhas sangrentas ou sempre que a cama não ficava vazia, lia a saudade, o amor que deixara, a paixão que o arrebatara, o cansaço da cavalgada. Tudo isto se via.

O Tuaregue tudo sabia, porque amava a espada e a espada lhe dizia.

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