O lobo pouco mais é que um cão.
Pode ter pernas mais compridas, mais fortes porque se habituaram a correr, no
exercício a que se obriga, ao perseguir a presa que comerá enquanto todos
dormem, envolvida que foi pela alcateia, impotente contra dentes que não
perdoam, olhos que não se desviam do cheiro que não perdem.
Mas este Lobo é diferente destes
canídeos peludos.
Este Lobo é muito maior, quantas
vezes mais feroz e implacável que os seus irmãos, muito mais rápido, muito mais
sabido e matreiro, de dentes enormes e olhos… nem quero pensar nos olhos!
Este Lobo tem olhos
transparentes, como se fossem vidro, como se fossem cristal e, quando a luz os
toca, brilham e, o seu brilhar amedronta, penetra-nos, invade-nos, abana tudo o
que possuímos de mais secreto, deixa-nos vazios como se se alimentasse dos
nossos recantos, mastigasse as nossas entranhas, calmamente, como que a saborear as dores que nos provoca.
Nunca o vemos chegar, aproveita o
vento para se ocultar, vem com o vento para não soar, como se asas tivesse,
quando o vemos é tarde demais, tarde demais para fugir, tarde demais para
esconder os olhos, tarde demais para evitar os olhos transparentes, profundos,
que nos devassam.
Mas este Lobo também ama, também
tem o corpo cheio de cicatrizes, cicatrizes frescas que ainda sangram, que o
tornam amargo uma vezes, que tornam os seus olhos baços, que lhe arreganham os
beiços, que fazem aparecer a espuma nos cantos da boca cheia de dentes
ameaçadores, cicatrizes que o amolecem outras tantas vezes, que lhe amaciam o
pelo crespo, que o transformam em cachorrinho submisso, abanando a cauda negra.
Este Lobo vive por aí, no meio de
nós, nas planícies verdejantes cheias de papoilas vermelhas, nas savanas tórridas,
onde as asas das borboletas ardem consumidas pelo enorme sol, onde as Leoas
permanecem, deitadas nas suas sombras, deixando transparecer em cada brilho a
imagem do macho desejado, onde chegou a Leoa Negra que nele se enroscou, por
onde a Loba Branca pernoitou e depois fugiu.
Este Lobo é um solitário, detesta
matilhas, não se submete, recusa os restos ensanguentados de carcaças
abandonadas, prefere a fome, não teme os predadores que o ameaçam, percorre os
seus próprios caminhos, liberta as fêmeas que ama, admira a beleza do
desconhecido, costuma olhar o horizonte, seduz com a verdade dos seus olhos
transparentes.
Este Lobo provoca. Provoca no seu
uivar, provoca no seu silêncio, provoca nos desafios constantes, provoca na
astúcia, provoca na lealdade, provoca na verdade, provoca na loucura da sua liberdade.
Cuidado com o Lobo de olhos
transparentes.
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