sábado, 24 de agosto de 2013

O LOBO de olhos transparentes



O lobo pouco mais é que um cão. Pode ter pernas mais compridas, mais fortes porque se habituaram a correr, no exercício a que se obriga, ao perseguir a presa que comerá enquanto todos dormem, envolvida que foi pela alcateia, impotente contra dentes que não perdoam, olhos que não se desviam do cheiro que não perdem.

Mas este Lobo é diferente destes canídeos peludos.

Este Lobo é muito maior, quantas vezes mais feroz e implacável que os seus irmãos, muito mais rápido, muito mais sabido e matreiro, de dentes enormes e olhos… nem quero pensar nos olhos!

Este Lobo tem olhos transparentes, como se fossem vidro, como se fossem cristal e, quando a luz os toca, brilham e, o seu brilhar amedronta, penetra-nos, invade-nos, abana tudo o que possuímos de mais secreto, deixa-nos vazios como se se alimentasse dos nossos recantos, mastigasse as nossas entranhas, calmamente, como que a saborear as dores que nos provoca.

Nunca o vemos chegar, aproveita o vento para se ocultar, vem com o vento para não soar, como se asas tivesse, quando o vemos é tarde demais, tarde demais para fugir, tarde demais para esconder os olhos, tarde demais para evitar os olhos transparentes, profundos, que nos devassam.

Mas este Lobo também ama, também tem o corpo cheio de cicatrizes, cicatrizes frescas que ainda sangram, que o tornam amargo uma vezes, que tornam os seus olhos baços, que lhe arreganham os beiços, que fazem aparecer a espuma nos cantos da boca cheia de dentes ameaçadores, cicatrizes que o amolecem outras tantas vezes, que lhe amaciam o pelo crespo, que o transformam em cachorrinho submisso, abanando a cauda negra.

Este Lobo vive por aí, no meio de nós, nas planícies verdejantes cheias de papoilas vermelhas, nas savanas tórridas, onde as asas das borboletas ardem consumidas pelo enorme sol, onde as Leoas permanecem, deitadas nas suas sombras, deixando transparecer em cada brilho a imagem do macho desejado, onde chegou a Leoa Negra que nele se enroscou, por onde a Loba Branca pernoitou e depois fugiu.

Este Lobo é um solitário, detesta matilhas, não se submete, recusa os restos ensanguentados de carcaças abandonadas, prefere a fome, não teme os predadores que o ameaçam, percorre os seus próprios caminhos, liberta as fêmeas que ama, admira a beleza do desconhecido, costuma olhar o horizonte, seduz com a verdade dos seus olhos transparentes.

Este Lobo provoca. Provoca no seu uivar, provoca no seu silêncio, provoca nos desafios constantes, provoca na astúcia, provoca na lealdade, provoca na verdade, provoca na loucura da sua liberdade.

Cuidado com o Lobo de olhos transparentes.

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