Hoje quero dar descanso ao meu
cérebro.
E também aos meus olhos. Não quero
ver horizontes distantes que se desvaneçam numa fina linha castanha que mal se
enxerga no limite do olhar, não quero ver céus azúis limpos, ou outros
cinzentos e negros, de nuvens carregadas de tempestades, nem raios luminosos
cortando os escuros de noites trovejantes, não quero olhar o mar, nem as
espumas que se desdobram nas areias de praias vazias, com pegadas de namorados
de mãos dadas, com algas escorridas nas rochas, presas nas conchas partidas do
mexilhão e das cracas.
Não quero ver as planícies
verdejantes salpicadas de vermelho, onde as papoilas se misturam com a brisa do
entardecer, procurando o par que as acompanhe ao som de um qualquer tango que
se oiça no surdo momento do pôr de um sol.
Não quero ver as sombras das
folhas que passeiam à minha volta, quando lentamente finto cada árvore que se
me depara, nem borboletas, nem andorinhas, nem cegonhas com bebés negros
embrulhados em brancas fraldas.
Também quero descansar os
ouvidos. Não quero ouvir a cotovia, nem o rouxinol, nem as cigarras ou os
grilos, nem passos, nem suspiros, nem gemidos, nem escapes, nem fados e
guitarras, nem versos declamados, nem o meu nome, mesmo que sussurrado.
Também quero descansar o homem.
Quero descansar e não me sentir apaixonado, nem sentir amor, nem saudade, nem
desejo, nem cheirar o teu cheiro, nem o olhar o teu “V” da verdade, nem lamber
o que resta de ti, nem tocar as cordas da tua sensualidade…
Hoje quero descansar de ser. Hoje
quero tornar-me um animal, irracional, sem preconceitos, sem sonhos, sem futuro
desejado, hoje quero ser um felino que desliza sobre o teu corpo sem se notar,
com o cheiro escondido do lado do vento, quero ser um enorme gorila que envolve
a tua cintura com braços feitos tenazes, que te apertem até ficares sem ar,
quero ser um lobo de olhos raiados de sangue, onde no brilho leias toda a minha
vontade, e no meu pelo negro sintas o fogo que em mim arde, hoje quero ser
serpente para te penetrar ondulante, e no adocicado sabor do meu veneno
desfaleças de prazer.
Hoje quero ser um animal, sem ter
que pedir, sem ter que falar, sem ter que dizer, sem ter que lamber, sem ter
que afagar, sem carinho, sem ternura, só desejo, só tesão.
Hoje QUERO-TE LOBA!
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