Na noite escura como breu, sem
Lua, o céu anima-se com mil brilhos, pontos cintilantes que povoam a sua
própria escuridão, formando as bizarras figuras, que permanecem equilibradas,
sempre no ontem, no agora, no depois, e palpitam, palpitam como se tivessem
coração, se respirassem, se bebessem no escuro que as envolve, combustível
improvável da luz.
Nesse céu que se estende a perder
de vista, as estrelas equilibram as suas forças, atraem-se, repelem-se, nunca
se tocam, apenas se olham, medem forças, para que os poderes enormes se
compensem, se anulem, e os ténues fios que as ligam, ocultos na sua própria
invisibilidade, não se quebrem, e a mão de quem os segura, de quem as controla,
como papagaios de papel empurrados pelo vento, não se abra e as abandone ao seu
próprio destino, para que ardam, para que se percam engolidas pelo enorme
buraco negro que espera quem se soltou.
Essa mão protectora que tudo
equilibra, está atenta, contraria quem muito puxa, equilibra quem muito se
aproxima, afasta quem se junta, evita a colisão do desequilíbrio, evita que a
paixão se torne tempestade incontrolável, que o amor não se misture com o ódio,
que a violência seja engolida, que a luz de cada estrela não consuma toda a
escuridão, para que a noite não expluda como se fosse dia.
Por vezes uma estrela mais
atrevida, mais inconstante na sua trajectória invisível, desobedece, e o ténue
fio que a equilibra quebra, e as atracções, as tentações, as vertigens,
arrastam-na, e as colisões podem arrastar outras, devastar mundos, queimar
constelações. Quando a sorte as favorece, podem ser apanhadas por outra mão que
evita o descalabro, segurando o que resta do fio que se quebrou, esperando que
o mesmo cresça outra vez. Na vida chama-se segunda oportunidade, na noite, no
mundo das estrelas, chama-se renascer.
Na vida e na noite, às vezes,
poucas vezes, o fio cresce, fica mais forte, as forças ganham a intensidade
certa, equilibra-se a escuridão, equilibra-se a vida e a estrela cresce, resplandece.
Quando não acontece, adeus, não
aparece mais nenhuma mão.
No meio deste enorme céu, vi uma
estrela que por muito tempo se debateu, forçou a linha de luz qua a
equilibrava, e no seu voltear louco, outras à volta moveram-se, atraíram-se,
repeliram-se, juntaram-se, até que uma se soltou, colidiu, o fio de luz quebrou
e a arrastou. Começou a corrida louca a caminho do nada, do desconhecido,
incapazes que eram de equilibrar as forças, destruindo-se, anulando-se,
sofrendo.
A mão que protegia uma
estendeu-se, conseguiu agarrar o que do fio de luz restava, e a velocidade
refreou, o seu universo reequilibrou. Mas durou pouco e o fio voltou a partir,
desta vez sozinho, enfraquecido que tinha ficado.
O buraco negro lá estava
ameaçador, irrecusável, inexorável, sombrio. A estrela aproximou-se do seu fim,
perigosamente, sem conseguir travar. Adeus estrela!
Mas do nada surgiu outra mão, e a
ponta do fio enleou-se-lhe nos dedos, salvando a estrela, ou apenas atrasando a
sua extinção, adiando o fim que já se percebeu. O buraco negro está ali,
demasiado perto, não se cansa, não desespera, já conhece aqueles brilhos, sabe
que apenas precisa esperar.
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