sexta-feira, 26 de julho de 2013

quem disse...



Quem disse que precisa chover, para que as águas nos inundem, nos ensopem, nos molhem, formem enormes torrentes que arrastam tudo o que apanham, que rolem os corpos pelas encostas cheias de ângulos sólidos que nos retalham como lâminas de facas afiadas, pintando de sangue vivo cada curva, cada reticência, cada hesitação.


Quem disse que é preciso haver Sol, para que o calor seque as palavras, destrua os poemas, amarfanhe as folhas de tantos dicionários, impeça os diálogos surdos de cada coração, evapore o suor dos corpos de amantes que se rebolam em lençóis brancos estendidos em prados de algodão.

Quem disse que é preciso haver trovoada, para que se escute o ecoar do trovão que abana a casa, para que o entoar de tantos hinos se abafe no silêncio das conversas que não se tiveram, ensopadas no fel que as prendeu ou o silvo da bala resvale nas esquinas das sombras dos soldados e mate apenas os generais que jogam vidas nos seus gabinetes.

Quem disse que é preciso andar para chegar a cada destino, contornando cada avalancha que escorrega pelas montanhas escancaradas em planícies de papel, empoladas pelos calores intensos de gelos impessoais, cavalgando pedras roxas de emoções perdidas.

Quem disse que é preciso ser músico para entoar a pauta cheia de joaninhas vermelhas, para tocar a melodia dos corações generosos, para misturar o azeite na água de cada rio, para respirar o fumo de cada escape, guardado em bolas de pilates.

Quem disse que é preciso ser-se matemático para errar a conta que se soma ao sair, subir a escada de degraus verdes de vidro transparente, nadar ao sabor das nuvens que o vento arrasta para trás, saciar a sede de corpos estendidos nus numa praia de latas azúis de refrigerante abandonado, fintar o último médico saído do supermercado com o mestrado de um saco reciclável.

Quem disse que é preciso ter razão.

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