Durante sete anos trabalhei lado
a lado com uma mulher escultural, linda e reservada, quase sem notar que
existia. Várias vezes tinha ido a sua casa com grupos de colegas, para comermos
uns petiscos ou beber uns copos, ouvir música e conversar. Almoçávamos inúmeras
vezes juntos, integrados nos grupos que sempre se formam nos empregos nestas
alturas.
Um dia num destes almoços, ouvi
queixar-se que a irmã e o cunhado estavam em sua casa há três meses, porque a
vivenda que tinham na Parede estava em obras, e embora já tivesse condições de
habitabilidade, nunca mais se decidiam ir-se embora, visto ser mais confortável
estar a viver ali com todas as comodidades, até porque lhes cedera o seu
próprio quarto, enquanto dormia na sala num sofá cama.
Não disse nada, nem me lembrei de
nada para lhe dizer, e por isso nem sequer tomei parte activa na conversa,
enquanto alguns dos presentes lhe davam conselhos e possíveis soluções para os
pôr a andar. Acabado o trabalho fui para casa da minha mãe, onde estava
temporariamente a viver. Estava a divorciar-me e era o único sítio onde podia
ficar sem gastar muito dinheiro em alojamento.
Jantei, e saí para ir beber um
café. Quando ia a meio caminho surgiu-me uma ideia maluca e voltei para trás.
Meti-me no carro e fui ao Centro Comercial mais próximo, a uma loja de animais.
Tinham exactamente o que precisava. Comprei o que queria, mais uns
“assessórios”, e dirigi-me para casa dela. Eram dez e meia da noite quando
toquei à campainha.
Abriu-me a porta e fez uma cara
de espanto quando me viu. Nunca a tinha visitado sozinho, nunca aquela hora da
noite, e muito menos com um saco de papel grande na mão. Estava com um robe de
seda branca, que cobria o que vestia por baixo e que não se conseguia
vislumbrar. Entrei. Em frente da porta ficava a cozinha e dirigi-me para lá com
o saco que abri.
Olhou lá para dentro e viu o que
levava. Um gato preto com umas três semanas, lindo, e uma almofada, preta
também. Começou a rir-se e disse-me:
Porra, acertaste em cheio. O meu
cunhado detesta animais, especialmente gatos, e a minha irmã diz que os gatos
pretos dão azar. Vão ficar fulos. Além disso ficam lixados quando recebo
visitas à noite porque dizem que não estão à vontade. Avisaram-me logo para não
te levar para a sala porque estão a ver televisão.
Ao dizer isto fez-me uma festa na
face para agradecer e aconteceu o que ninguém esperava. Quando nos tocámos
senti um arrepio e estremeci, olhei-a nos olhos e vi que alguma coisa tinha
sentido também, porque o seu olhar era de surpresa e a mão não terminara o
movimento e tinha ficado ali, no ar, junto da minha cara.
Num impulso segurei-lhe a mão e
beijei-a. O arrepio voltou mais forte e, abanou de tal maneira os dois que não
precisei olhar para saber. Mas olhei. Repentinamente puxou-me e as nossas bocas
encontraram-se e beijaram-se como se fosse habitual. Sem saber como, o cinto do
robe desapertou-se e apenas o tecido fino que vestia por baixo ficou a
separar-nos.
O abraço tornou-se muito quente. Não
dissemos nada, mas percebia-se tudo. Ficámos ali na cozinha, trocando beijos e
sentindo o calor que já abrasava. Disse-lhe então o que me apetecia fazer,
queria ficar com ela, dormir com ela, apagar aquela chama que nos queimava.
E aminha irmã? Perguntou.
Que durma no sofá com o
maridinho. Respondi.
Agarrei-lhe na mão e levei-a para
o quarto. Entrámos e fechámos a porta à chave.
Durante toda a noite, e porque
não “pregámos olho”, fiz os possíveis para que o que estávamos a fazer se
ouvisse bem. O maior problema foi mesmo o gato, que estava na cama e não
gostava de ser empurrado.
No outro dia de manhã fui, em
cuecas, para a cozinha tomar o pequeno-almoço, não sem me ter cruzado com a irmã
que ficou escandalizadíssima. E era para ficar, encontrar um marmanjo quase nu,
que tinha estado toda a noite a “comer” a irmã, na casa que não era dela, mas
que usava como se fosse… o que pensaria o maridinho, advogado de renome,
assessor de um membro do governo, de tal coisa?
Como é meu hábito, caguei e
andei, e portei-me à altura do traje que envergava, que apresentava alguns
sinais do que tinha sobrado da noite. Depois vesti-me e voltei para casa da
minha mãe para tomar um duche e mudar de roupa. A minha mãe estava em cuidados,
porque não lhe tinha dito nada e passara a noite fora (naquela altura não havia
telemóveis e eu tinha-me esquecido completamente dela).
Fui trabalhar e não dissemos nada
sobre o que tinha acontecido um ao outro.
No dia seguinte contou-me que a
irmã e o maridinho tinham voltado para casa na véspera.
Passei a aparecer aquela hora
tardia mais vezes. Durante vários meses as noites escaldantes repetiram-se,
porque qualquer toque entre nós o provocava. As noites foram ficando curtas e, começamos
a juntar-lhe umas horas de almoço e uns fins-de-semana. Mesmo assim não
chegava, por isso decidimos viver juntos.
O magnetismo não desapareceu,
aquela atracção das peles, aquele arrepio continuou sempre, e logo se tornou
numa simples troca de olhares. Era mágico, foi mágico.
Cresceu, tornou-se forte,
reinventou-se todos os dias. Namorou-se sempre. Viveu-se sempre sem se querer
saber se era amor, paixão ou sexo puro e duro o que existia entre nós.
Foi assim que começaram vinte e
três anos da minha vida, das NOSSAS vidas.
2 comentários:
Mais uma história encantadora destes intensos 23 anos!
Que sempre me custa reler !
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