terça-feira, 30 de julho de 2013

NOSSAS vidas


Durante sete anos trabalhei lado a lado com uma mulher escultural, linda e reservada, quase sem notar que existia. Várias vezes tinha ido a sua casa com grupos de colegas, para comermos uns petiscos ou beber uns copos, ouvir música e conversar. Almoçávamos inúmeras vezes juntos, integrados nos grupos que sempre se formam nos empregos nestas alturas.

Um dia num destes almoços, ouvi queixar-se que a irmã e o cunhado estavam em sua casa há três meses, porque a vivenda que tinham na Parede estava em obras, e embora já tivesse condições de habitabilidade, nunca mais se decidiam ir-se embora, visto ser mais confortável estar a viver ali com todas as comodidades, até porque lhes cedera o seu próprio quarto, enquanto dormia na sala num sofá cama.

Não disse nada, nem me lembrei de nada para lhe dizer, e por isso nem sequer tomei parte activa na conversa, enquanto alguns dos presentes lhe davam conselhos e possíveis soluções para os pôr a andar. Acabado o trabalho fui para casa da minha mãe, onde estava temporariamente a viver. Estava a divorciar-me e era o único sítio onde podia ficar sem gastar muito dinheiro em alojamento.

Jantei, e saí para ir beber um café. Quando ia a meio caminho surgiu-me uma ideia maluca e voltei para trás. Meti-me no carro e fui ao Centro Comercial mais próximo, a uma loja de animais. Tinham exactamente o que precisava. Comprei o que queria, mais uns “assessórios”, e dirigi-me para casa dela. Eram dez e meia da noite quando toquei à campainha.

Abriu-me a porta e fez uma cara de espanto quando me viu. Nunca a tinha visitado sozinho, nunca aquela hora da noite, e muito menos com um saco de papel grande na mão. Estava com um robe de seda branca, que cobria o que vestia por baixo e que não se conseguia vislumbrar. Entrei. Em frente da porta ficava a cozinha e dirigi-me para lá com o saco que abri.

Olhou lá para dentro e viu o que levava. Um gato preto com umas três semanas, lindo, e uma almofada, preta também. Começou a rir-se e disse-me:

Porra, acertaste em cheio. O meu cunhado detesta animais, especialmente gatos, e a minha irmã diz que os gatos pretos dão azar. Vão ficar fulos. Além disso ficam lixados quando recebo visitas à noite porque dizem que não estão à vontade. Avisaram-me logo para não te levar para a sala porque estão a ver televisão.

Ao dizer isto fez-me uma festa na face para agradecer e aconteceu o que ninguém esperava. Quando nos tocámos senti um arrepio e estremeci, olhei-a nos olhos e vi que alguma coisa tinha sentido também, porque o seu olhar era de surpresa e a mão não terminara o movimento e tinha ficado ali, no ar, junto da minha cara.

Num impulso segurei-lhe a mão e beijei-a. O arrepio voltou mais forte e, abanou de tal maneira os dois que não precisei olhar para saber. Mas olhei. Repentinamente puxou-me e as nossas bocas encontraram-se e beijaram-se como se fosse habitual. Sem saber como, o cinto do robe desapertou-se e apenas o tecido fino que vestia por baixo ficou a separar-nos.

O abraço tornou-se muito quente. Não dissemos nada, mas percebia-se tudo. Ficámos ali na cozinha, trocando beijos e sentindo o calor que já abrasava. Disse-lhe então o que me apetecia fazer, queria ficar com ela, dormir com ela, apagar aquela chama que nos queimava.

E aminha irmã? Perguntou.

Que durma no sofá com o maridinho. Respondi.

Agarrei-lhe na mão e levei-a para o quarto. Entrámos e fechámos a porta à chave.

Durante toda a noite, e porque não “pregámos olho”, fiz os possíveis para que o que estávamos a fazer se ouvisse bem. O maior problema foi mesmo o gato, que estava na cama e não gostava de ser empurrado.

No outro dia de manhã fui, em cuecas, para a cozinha tomar o pequeno-almoço, não sem me ter cruzado com a irmã que ficou escandalizadíssima. E era para ficar, encontrar um marmanjo quase nu, que tinha estado toda a noite a “comer” a irmã, na casa que não era dela, mas que usava como se fosse… o que pensaria o maridinho, advogado de renome, assessor de um membro do governo, de tal coisa?

Como é meu hábito, caguei e andei, e portei-me à altura do traje que envergava, que apresentava alguns sinais do que tinha sobrado da noite. Depois vesti-me e voltei para casa da minha mãe para tomar um duche e mudar de roupa. A minha mãe estava em cuidados, porque não lhe tinha dito nada e passara a noite fora (naquela altura não havia telemóveis e eu tinha-me esquecido completamente dela).

Fui trabalhar e não dissemos nada sobre o que tinha acontecido um ao outro.

No dia seguinte contou-me que a irmã e o maridinho tinham voltado para casa na véspera.

Passei a aparecer aquela hora tardia mais vezes. Durante vários meses as noites escaldantes repetiram-se, porque qualquer toque entre nós o provocava. As noites foram ficando curtas e, começamos a juntar-lhe umas horas de almoço e uns fins-de-semana. Mesmo assim não chegava, por isso decidimos viver juntos.

O magnetismo não desapareceu, aquela atracção das peles, aquele arrepio continuou sempre, e logo se tornou numa simples troca de olhares. Era mágico, foi mágico.

Cresceu, tornou-se forte, reinventou-se todos os dias. Namorou-se sempre. Viveu-se sempre sem se querer saber se era amor, paixão ou sexo puro e duro o que existia entre nós.

Foi assim que começaram vinte e três anos da minha vida, das NOSSAS vidas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Mais uma história encantadora destes intensos 23 anos!

Eu não sou ninguém disse...

Que sempre me custa reler !