Chamo-me Mar. Gosto de me chamar
assim, mas muitos tratam-me por Oceano e, quando deste modo me tratam, dizem-me
que tenho muitos Mares dentro de mim. Dizem que sou mais importante com este
nome maior, mais sonante porque começa por uma vogal e não por uma consoante.
Os livros da escola também me chamam assim, mas eu, eu gosto mais de me chamar
Mar apenas.
De noite, naquela noite no
escuro, sem Lua, sem luz, sou negro, misturado com os fantasmas que dela nascem
quando se esconde, oculta na sombra, sem qualquer brilho que se enxergue e até
as estrelas se recusam a mergulhar em mim, porque me temem.
Nas noites de lua, deixo ver-me
orlado de brancos que me cavalgam, e torno-me cinzento, misturado de preto e
azul-esverdeado. A lua vem ver-se espelhada em mim, enquanto sobe no seu
aparecer. Convido a que se aventurem a percorrer-me de tão perfeito que me mostro
de tão calmo que pareço.
Estendo-me, espreguiço-me, e
misturo-me com tanta sílica, tanta concha, esfrego as medusas, molho pés,
pernas, ventres, braços, peitos. Deixo que me mergulhem cabeças, que me nadem
no ventre, que me pesquem profundamente. Molho, alimento, sustento, afogo,
destruo, construo, deixo brincarem-me, deixo levarem-me, deixo secarem-me
pedaços quadrados.
Guardo tesouros, escondo pedaços
de tantas guerras, engulo enormes segredos, restos de amor, cheiros de quem me
visitou deixando em mim os seus traços, cubro de branco quando me deixam secar.
Senti agora os teus pés
entrarem-me, quando sobre os meus ombros depositaste com carinho a garrafa.
Senti o frio do vidro verde bem rolhado, o morno da folha branca enrolada no
seu interior, o calor das palavras azúis que a preenchem, tão bem alinhadas,
corridas de uma só pena, que ainda não tinham sido ditas, que eram um único e
enorme segredo, caídas de dentro de ti para aqui.
Senti a tua mão penetrar-me
agradecendo, e por isso a levarei e um dia a entregarei com carinho.
Sim, um dia vou encontrar o corpo
que as provocaram, vou envolve-lo, abraçá-lo, e a seus pés deixarei estas
palavras azúis, guardadas na folha enrolada dentro da garrafa rolhada que me
confiaste, intacta, porque a defenderei de tudo e de todos, e então ela as
libertará, e os seus olhos lindos desvendarão tudo o que não fora dito, e o
Oceano que gosta de ser Mar desaparecerá na magia de um único momento.
Sem comentários:
Enviar um comentário