Às vezes agarro no meu carro e
prometo a mim mesmo “Hoje vou andar devagar”, e até consigo por alguns momentos
controlar o “pé”, não acelerar, não colocar “todos os cavalos no chão”, travar
antes de curvar, mas gosto de guiar concentrado, com todos os sentidos
despertos, sem ligar a mais nada, porque enquanto guio raramente falo com quem
me acompanha, não oiço conversas que se cruzam, nem a música que no meu carro
está sempre ligada.
Por isso é difícil, porque
devagar não consigo a concentração necessária, a adrenalina necessária, o teste
aos reflexos, ao golpe de vista, à concentração plena. Sim gosto de sentir o
perigo, de andar nos limites, nos MEUS limites, e quem vai sentado ao meu lado
sofre, assusta-se, muitos só me acompanham a primeira vez, mas apenas porque
não sabem que andar nos limites é bastante menos do que aquilo que conseguiria
se fosse inconsciente, se conduzisse descontraidamente, distraído com o que
dizem ou fazem à minha volta, mas isso não acontece nunca, porque o faço
racionalmente e tudo em mim, todos os músculos, todos os sentidos, estão
ligados, absorvendo toda a informação que me rodeia na estrada e fora dela.
Mas na vida, nos confrontos, nas
discussões, na observação que faço, na informação que recolho inconscientemente
e processo da mesma maneira, excedo-me, excedo os meus limites, aceito todos os
estímulos, reajo como me apetece na altura, sem medir riscos, ignorando todos
os perigos, aceitando todos os desafios, correndo mais do que as pernas possam
permitir, sem cansaços, sem sentir dores ou medos, independentemente dos
resultados, das inteligências, do número ou género.
Posso reagir friamente, de
maneira calculista, provocando as reacções óbvias, as respostas esperadas,
atingir os objectivos desejados, ou pelo contrário, abraçar a irracionalidade, fazer
o que ninguém espera, picar, provocar ao máximo, recuar quando todos esperam
que recue, avançar quando todos esperam que fuja, portar-me como um cobarde e
depois desferir um golpe mortal, aproveitar o meu próprio descrédito, que antes
provoquei para desferir o último e derradeiro golpe de misericórdia.
Sou um provocador compulsivo e a
adrenalina da provocação, ultrapassa em muito a da condução.
Provoco sempre, porque provocar
dá prazer, provocar excita, provocar estimula a mente e o corpo, provocar
significa desafio, perigo, raciocínio, reacção rápida, imaginação, muita imaginação,
inteligência, astúcia, observação. Provocar é um jogo a dois, é como fazer
amor, é reinventar cada momento, é respeitar o outro, medir as suas
capacidades, testá-las, “ameaça-las”, esperar pela resposta, antecipar a
resposta, planear o contra ataque.
E por ser como o amor, por ser um
jogo a dois que implica respeito, imaginação, reconstrução, reinvenção, porque
não haveria de o fazer aí mesmo, no amor, nos amores que por mim passam, nas
paixões que me invadem e me queimam, com as mulheres que me escolheram e
aceitei (sim porque afinal não sou eu que escolho, apenas o permito).
Mas aqui as minhas provocações
são diferentes, são mais doces, mais sensuais, não provocam dor, nem medo, não
ferem, destinam-se apenas a aumentar prazeres, a despertar cumplicidades
adquiridas, a não deixar apagar a “chama”, incitando, afagando, esperando pela
surpresa, pelo próximo passo.
Sou incansável, sou insaciável,
quanto mais provocador for, melhor. Se funciona sempre, não. Nem todas as
mulheres gostam da provocação, nem todas gostam de ser surpreendidas, nem todas
gostam de ser observadas e penetradas nos seus segredos, mesmo que não as
persiga nem as espie, mesmo que tudo seja natural, que os segredos se desvendem
sozinhos, mesmo que só os distraídos não os conheçam, porque todos os segredos
têm pontas soltas, todos os segredos se revelam nos olhos e só quem não lê o
que dizem, os ignora.
Mas sempre que funciona é uma
maravilha, é lindo, é excitante, é um suceder de novidades, de revelações
permanentes, de sensações agradáveis, de espíritos que se misturam, se fundem,
num entender dos silêncios, numa cumplicidade única, completa, desconcertante
até para quem a conhece bem. É voar nas asas do outro, é deixar-se levar para o
desconhecido, criar no improvável, viver no impensável, saborear o momento que
nunca se pensou viver.
Por isso provoco, por isso
desafio, por isso o meu caminho nunca é “vai por aqui”.
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