sexta-feira, 19 de julho de 2013

VAI POR AQUI


Às vezes agarro no meu carro e prometo a mim mesmo “Hoje vou andar devagar”, e até consigo por alguns momentos controlar o “pé”, não acelerar, não colocar “todos os cavalos no chão”, travar antes de curvar, mas gosto de guiar concentrado, com todos os sentidos despertos, sem ligar a mais nada, porque enquanto guio raramente falo com quem me acompanha, não oiço conversas que se cruzam, nem a música que no meu carro está sempre ligada.

Por isso é difícil, porque devagar não consigo a concentração necessária, a adrenalina necessária, o teste aos reflexos, ao golpe de vista, à concentração plena. Sim gosto de sentir o perigo, de andar nos limites, nos MEUS limites, e quem vai sentado ao meu lado sofre, assusta-se, muitos só me acompanham a primeira vez, mas apenas porque não sabem que andar nos limites é bastante menos do que aquilo que conseguiria se fosse inconsciente, se conduzisse descontraidamente, distraído com o que dizem ou fazem à minha volta, mas isso não acontece nunca, porque o faço racionalmente e tudo em mim, todos os músculos, todos os sentidos, estão ligados, absorvendo toda a informação que me rodeia na estrada e fora dela.

Mas na vida, nos confrontos, nas discussões, na observação que faço, na informação que recolho inconscientemente e processo da mesma maneira, excedo-me, excedo os meus limites, aceito todos os estímulos, reajo como me apetece na altura, sem medir riscos, ignorando todos os perigos, aceitando todos os desafios, correndo mais do que as pernas possam permitir, sem cansaços, sem sentir dores ou medos, independentemente dos resultados, das inteligências, do número ou género.

Posso reagir friamente, de maneira calculista, provocando as reacções óbvias, as respostas esperadas, atingir os objectivos desejados, ou pelo contrário, abraçar a irracionalidade, fazer o que ninguém espera, picar, provocar ao máximo, recuar quando todos esperam que recue, avançar quando todos esperam que fuja, portar-me como um cobarde e depois desferir um golpe mortal, aproveitar o meu próprio descrédito, que antes provoquei para desferir o último e derradeiro golpe de misericórdia.

Sou um provocador compulsivo e a adrenalina da provocação, ultrapassa em muito a da condução.

Provoco sempre, porque provocar dá prazer, provocar excita, provocar estimula a mente e o corpo, provocar significa desafio, perigo, raciocínio, reacção rápida, imaginação, muita imaginação, inteligência, astúcia, observação. Provocar é um jogo a dois, é como fazer amor, é reinventar cada momento, é respeitar o outro, medir as suas capacidades, testá-las, “ameaça-las”, esperar pela resposta, antecipar a resposta, planear o contra ataque.

E por ser como o amor, por ser um jogo a dois que implica respeito, imaginação, reconstrução, reinvenção, porque não haveria de o fazer aí mesmo, no amor, nos amores que por mim passam, nas paixões que me invadem e me queimam, com as mulheres que me escolheram e aceitei (sim porque afinal não sou eu que escolho, apenas o permito).

Mas aqui as minhas provocações são diferentes, são mais doces, mais sensuais, não provocam dor, nem medo, não ferem, destinam-se apenas a aumentar prazeres, a despertar cumplicidades adquiridas, a não deixar apagar a “chama”, incitando, afagando, esperando pela surpresa, pelo próximo passo.

Sou incansável, sou insaciável, quanto mais provocador for, melhor. Se funciona sempre, não. Nem todas as mulheres gostam da provocação, nem todas gostam de ser surpreendidas, nem todas gostam de ser observadas e penetradas nos seus segredos, mesmo que não as persiga nem as espie, mesmo que tudo seja natural, que os segredos se desvendem sozinhos, mesmo que só os distraídos não os conheçam, porque todos os segredos têm pontas soltas, todos os segredos se revelam nos olhos e só quem não lê o que dizem, os ignora.

Mas sempre que funciona é uma maravilha, é lindo, é excitante, é um suceder de novidades, de revelações permanentes, de sensações agradáveis, de espíritos que se misturam, se fundem, num entender dos silêncios, numa cumplicidade única, completa, desconcertante até para quem a conhece bem. É voar nas asas do outro, é deixar-se levar para o desconhecido, criar no improvável, viver no impensável, saborear o momento que nunca se pensou viver.

Por isso provoco, por isso desafio, por isso o meu caminho nunca é “vai por aqui”.

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