Eram quatro e meia da manhã (já passaram trinta anos), regressávamos naquela madrugada de sábado, de uma visita a um casal de amigos com quem trocávamos momentos de alegria, brincadeiras, conversas, experiências.
Tínhamos saído de casa às dez da noite de sexta, e a temperatura era agradável naquele verão que estava morno. Fomos a pé porque a casa deles ficava a menos de um quilómetro. Era uma surpresa, não avisámos, porque assim era entre nós, simplesmente aparecíamos e as recepções eram sempre calorosas. Debaixo do braço levei uma garrafa de Gin, porque as damas adoravam aquela bebida transparente de fogo, já que eram duas “leoas” insaciáveis.
As conversas nasceram e cresceram acompanhadas pelos amendoins, as castanhas de caju picantes, o queijinho seco cortado em finas fatias, o presunto…. Delicioso e muito GIN, e muito Whisky, Run e coca-cola, água tónica, sumo de laranja. Música no vinil que girava no prato perto de nós, servindo de funco às risadas, às brincadeiras, às cumplicidades que se tinham criado em muitos anos de amizade vivida a sério entre pessoas que se amavam.
A companhia, as conversas, as brincadeiras, a música, as bebidas eram tão boas que fomos ficando, ficando só mais um bocadinho, e a madrugada foi tomando conta das nossas vidas e prolongou-se sem que alguém disso se apercebesse.
Quando finalmente decidi que eram horas, lá fomos, calmamente regressando pelo caminho tantas vezes percorrido, de volta a nossa casa. No percurso tive tempo para abraçar e beijar a mulher que era a companheira de tantos anos, e brincar como quase sempre fazíamos, relembrando ainda alguns dos momentos vividos ali.
Morávamos num primeiro andar, abri a porta do prédio e deixei-a passar, escolhi a chave da porta da nossa casa e lentamente subimos a escada. Em frente da porta procurei a fechadura e não a vi, olhei melhor, havia apenas um buraco redondo. Empurrei a porta lentamente e entrei.
Todas as luzes estavam acesas, todas mesmo. Ao fundo do corredor vi a porta do bar aberta e uma garrafa de licor de pera aberta, junto a dois copos meios. Entrei no meu quarto, a primeira porta à direita, os armários estavam abertos, todas as gavetas e o seu conteúdo, estavam espalhadas pelo chão, formando um monte de roupas, recordações e madeira.
Senti uma raiva que me invadia, que se espalhava por todo o meu corpo, percorri toda a casa a correr, não encontrei ninguém. Fui à dispensa, agarrei uma barra de ferro que se encontrava encostada a uma estante, saí, disse para a minha mulher – “Chama a polícia” e corri para o meu carro. Saí a acelerar por todo o bairro, rua a rua, recanto a recanto, na esperança de encontrar alguém com as minhas coisas às costas.
Ainda bem que não encontrei ninguém, ainda bem que tudo estava deserto, não se via vivalma.
Voltei furioso, tanto que ainda agora sinto a raiva que senti naquele momento, impotente para fazer fosse o que fosse, com o orgulho ferido. A polícia já tinha chegado, recolhia provas, embalaram e levaram as coisas em que tinham tocado.
Um ano depois soube que o processo tinha sido arquivado. Dos ladrões nunca mais tive notícias. O que me foi roubado deve andar por aí.
Um ano depois fui novamente assaltado, mas desta vez cheguei a tempo, e quem encontrei em minha casa arrependeu-se de não ter escolhido outra.
4 comentários:
É uma sensação horrível! Ver as nossas coisas remexidas por fdp ladrões, tudo espalhado no chão, é muito violento por si só. É uma agressão psicológica. Dá cá uma revolta! E agora os pesadelos podem continuar a assombrar-nos...
simplesmente, abraço-te.
Também já fui assaltada... sei bem reconhecer esta devastadora sensação.
Bjos
DD
Um beijo para ti também DD
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