O vinho encheu os copos, a conversa enleou-se, os copos chocaram,
estavas mesmo ali.
Sim estavas mesmo ali, bem perto, de copo na mão, a sorrir enquanto
molhavas lentamente os lábios com o que restava do vinho gelado.
Afinal a distância era pouca, não te tinha impedido de viajar montada
naquele raio de luz que te trouxera, atravessando um enorme oceano, sem que um
único cristal do sal dessas águas manchasse o teu cabelo negro. E por falar
nele, como brilha em cada reflexo da vela vermelha, que tremula sobre a mesa.
A tua sombra dança, balança, em cada crepitar da chama branca, estás em contraluz,
tenho dificuldade em ver os teus olhos, às vezes noto-lhes o brilho, depois
ficam da cor da escuridão, desaparecendo na sombra que cresce na tua face. Gosto
de ler o que dizem os olhos, adivinhar os sentimentos, os segredos, ver o que
contam… mas assim com eles sempre a fugir, apenas apanho fragmentos, meias
histórias, uma sem princípio ouras sem fim, dos sentimentos sinto o calor, dos
segredos… nada.
As palavras saltam baixinho, quase em surdina, para não ofender o
silêncio da noite, para evitar que a lua, que espreita por um dos vidros da
janela, oiça o que dizemos. Por vezes bafejamos cada sílaba ao ouvido para que
não se percam. Brincamos, desafiamos cada momento, rimos, rimos muito, porque
gostamos de estar ali.
O vinho acaba nos copos, e da garrafa que estava na mesa, despejas as
últimas gotas em cada um, voltas a sentar-te… mas desta vez estás mais exposta
à luz trémula da vela. Sim agora vejo perfeitamente os teus olhos que brincam
com o meu olhar. Sim, agora as histórias contam-se completas, os sentimentos
são mais do que calor, os segredos começam a desaparecer. Sinto-me estremecer.
Começamos a rir outra vez, nem sei porquê, mas logo nos calamos.
A conversa calou-se, os olhos descansaram num olhar e ficaram presos, o
riso substituiu-se, o silêncio encheu o espaço numa enorme onda, as paredes
foram-se aproximando, o espaço encolheu, quase nos tocavam, o medo fez as mãos
procurarem ajuda…
De repente, inexplicavelmente a vela apagou-se e tudo mergulhou em
escuridão…
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