= 9 0 0 =
Quem diria que este número ia
cair aqui e, que o assunto teria mudado assim, radicalmente. Mas mudou, mudou,
e graças a essa mudança encontrei outra vez o caminho que parecia perdido, que
me calou durante algum tempo, como se qualquer coisa se tivesse quebrado.
Novecentos é um número enorme,
mas é assim porque não me apeteceu mudar a ordem, não me apeteceu voltar a
zero, porque afinal a vida continuou igual, a luz não se apagara, os olhos
continuavam a ver. E viram, e olharam, e admiraram, abriram a porta que se
fechara, e as palavras juntaram-se de novo, as histórias esquecidas
reapareceram, o calor não arrefecera.
“Exótica”, foi a palavra que
nunca ouvira para classificar aquilo que afinal é simplesmente inclassificável.
“Exótica” nos seus longos cabelos
negros, nos olhos iguais, olhos que estão sempre a sorrir mesmo quando me diz
que está triste, e onde eu com a minha mania de ler, vejo uma mulher com uma
enorme vontade de viver, uma alegria interminável de estar, de devorar tudo o
que aparece, feita leoa insaciável e quente.
“Exótica” no seu longo e esbelto
pescoço, que inclina ligeiramente e lhe dá um aspecto de gazela assustadiça,
talvez uma gazela que já vi beber, saciar uma sede infindável no charco de água
barrenta, numa savana repleta de lobos, de leoas, de feras que a respeitaram, a
olharam e deixaram viver.
“Exótica” nos seios redondos,
desenhados, guardados para despertar imaginários, emoções, sentimentos,
paixões, prazeres, carícias, acender fogueiras mesmo que extintas, mornas,
transformando-as em verdadeiros incêndios na floresta, que nem mil bombeiros
apagarão.
“Exótica” nas suas longas pernas
nuas, pernas que prometem apertar qualquer cintura, amarrar qualquer corpo como
teia de enorme aranha, armadilha que esconde a morte que sofrerá quem tentar
fugir depois de nela cair, mas também promete o prazer de balançar eternamente
nos seus fios.
“Exótica” nos desejos que não
esconde e de que fala abertamente, sempre preocupada em não ferir ou ofender,
como se o imaginário de cada um pudesse ferir ou ofender quem quer que seja.
“Exótica”, porque é um furacão
sequioso, uma loba feroz, e uma gatinha meiga e carinhosa que se enrosca com
ternura no colo, esperando uma festa na cabeça, enquanto amolece com as patas
felpudas e almofadadas as coxas que a acolhem.
“Exótica”, porque respeita a sua
liberdade de mulher sem arriscar o julgamento público, sem alardear o seu “exotismo”,
sem anunciar os seus desejos, transparente como a água que corre por entre as
pedras do leito de um riacho, mas com a força oculta da corrente de um rio, rio
cheio de rápidos, curvas perigosas, velocidades vertiginosas.
“Exótica” porque surpreende,
surpreende sempre, a cada minuto, mas cada surpresa está sempre repleta de
alegria, de força, de desejo de viver.
“Exótica” apenas porque a vejo
assim, porque só eu a vejo assim, porque nunca ninguém o tinha visto, nunca
ninguém o tinha dito, talvez e apenas porque o seu próprio “exotismo” engane, e
talvez esse engano cubra a sua maneira “Exótica” de ser.
Apenas “Exótica”.
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