Tudo muda… menos isto …
Os rios correm, aproveitam os declives, os vales rasgados nas montanhas, descrevem curvas evitando os obstáculos, cavam percursos, engrossam na chuva e no degelo, hoje alagam, amanhã secam, atalham caminhos, mudam de direcção. Sim, os rios mudam.
As encostas nuas das montanhas geladas, ou as povoadas de mil árvores, onde a neve, o gelo, faz as rochas estalar, partir, quebrar, de tão frio, e depois arrasta em brancas avalanchas, ou a água que se escoa por entre cada tronco, nos temporais, que entope as folhas em grandes novelos, trazendo o calhau, o fruto, a semente que florescerá além, mostram novas caras das encostas, novos corpos, novas rugas, e a montanha transforma a paisagem lentamente. Sim, as montanhas mudam.
Ontem choveu, hoje chove, talvez amanhã ainda chova, mas no ano passado não (disse-me uma amiga), porque era a seca que morava por aqui, e agora a água não se faz esperar, e se por vezes cai devagar, outras… cai de tal maneira que tudo parece alagar, mas há um ano nada do céu corria, apenas Sol, uma verdadeira monotonia. Sim, o tempo muda.
No amanhecer o Sol aparece sempre por detrás de qualquer coisa, levanta-se cedo, branco ao longe, e de leve língua se transforma em enorme bola, que dispersa os raios, trazendo a sombra de outra cor, e da espuma da onda cria claras rendas onde o arco-íris se esconde. Depois de percorrer o horizonte, ganha o laranja, o amarelo, o vermelho do sangue ou o cinzento das tempestades, transformando as primaveras, os verões, os anos. Sim, o Sol muda.
Aquela pedra que morava no cimo do monte, que um dia se soltou arrastada que foi pela lama, lavada pela chuva, aquecida pela Sol, gelada na neve, lascada na diferença, rolou, partiu, poliu, transformou-se, até se tornar areia, cá em baixo, junto ao mar. Sim, a pedra muda.
Ontem o roubar era crime, era mau, não o devíamos fazer. Foi o que me ensinou o meu Pai, quando me educou, sempre que me demonstrou como viver. Hoje também é crime, se o que roubarmos for pouco e mal dê para comer. Se for muito já não, então ninguém quer saber. Sim, o mundo muda.

Já tive compreensão, já tive cumplicidades, já tive emoções, já fui invadido pela raiva, já aconteceu a fúria cegar-me, já sonhei com outros amanhãs, já tive tantas saudades, já ouvi a tua voz, já escrevi tantos versos, já li tantas palavras, já encontrei as tuas mãos, já te apertei em tantos abraços, já chorei e já ri, já enxuguei as tuas lágrimas, já te ganhei, já te perdi, já pensei, já imaginei, nunca desisti. Sim, ALGO muda.
Sim, os rios mudam, as montanhas mudam, o tempo muda, o Sol muda, as pedras mudam, o mundo muda, eu mudei muito nesta paixão, mudou o que tive, tinha e tenho, mas o que me fez chorar, foi o que mudou por ter perdido, foi o que mudou por ter fugido, foi o que mudou por não encontrar, foi o vazio, foi o deixar. Tudo muda, mesmo tudo, menos isto que te estou a contar.
(11.03.2012)
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