… que jamais se repetirá …
Precisamos sempre decidir qualquer coisa, um caminho, um rumo a tomar, qual queremos percorrer, conheçamos ou não o que vamos encontrar, amanhã, ou muito depois, e nem sempre é fácil, quase nunca o é, porque pesamos, avaliamos, tememos saber, adivinhar.
Temos sonhos, pequenos sonhos, grandes sonhos, sonhos que tantas vezes nos parecem inatingíveis, improváveis, cheios de prazeres incontroláveis, de recantos obscuros, de meandros tenebrosos, onde se mistura a certeza com o desconhecido, e a incerteza com o desejado.
Temos projectos, objectivos, que fixamos para nós, para quem nos acompanha, para quem educamos e criamos, num dia a dia de lutas, de vitórias e de derrotas, que nos empurram, nos agridem, nos consomem, nos obrigam a repensar, reinventar, recuar, avançar.
Temos momentos em que a felicidade nos invade, acende a centelha da esperança, dá alento, força, vontade de continuar, e outros em que aparece o desanimo, a tristeza, a dor enorme da derrota, de ter perdido mais uma batalha, a frustração do esforço desperdiçado, o engolir de tudo o que eram certezas, o cair naquele abismo que se abriu, que apareceu sabe-se lá de onde, mas que afinal sempre esteve ali, bem debaixo dos nossos olhos, que cegos não o viram.
Temos em nós, amor. Temos sempre, mesmo que esteja adormecido, guardado num canto de nós, bem escondido porque não precisa ser exibido, porque não existe a quem o dar. Mas está sempre lá, e um dia, sem que façamos nada, explode, dedica-se, invade-nos como se um rio nascesse no fundo da nossa alma, e transforma tudo, remexe as nossas secretas emoções, faz acordar os medos, os fantasmas, os temores de quem já o sentiu e por ele sofreu, porque dói, dói sempre muito, mesmo que seja belo, mesmo que seja enorme, mesmo que seja puro.
Temos preconceitos, de raça, de cultura, de educação, de cor, de sexo, de idade, de vergonha. Temos preconceitos de tudo, de coisas que tememos, de atitudes que tomamos, de verdades que enfrentamos, da vergonha que sentimos, até de ter preconceitos. Somos fracos, muito fracos.
Temos tempo, ou julgamos que temos tempo, para gastar, para desperdiçar, para esbanjar indiscriminadamente nas nossas decisões, adiando, repensando, avaliando cada pormenor, decidindo e depois recuando, andando para a frente e para trás, sem rumo, apenas porque temos tempo. Deitamos fora a felicidade do momento, porque amanhã quem sabe não haverá mais e melhor para colher, ignoramos quem nos oferece porque é pouco, não é o que pensávamos, não é o que sonhávamos ter.
Mas um dia, inevitavelmente, olhamos a morte nos olhos, sentimo-la passar junto a nós levando quem não esperávamos, quem julgávamos ter tanto tempo, tanta vida, tantos sonhos, tanto futuro. E nesse dia tudo muda, tudo se compreende, tudo se aclara. Nesse dia percebemos que não existe amanhã, que não existe futuro, que não há tempo, porque o tempo não existe, porque o tempo não é certo, porque o tempo é apenas fumo do próprio tempo. Nesse dia percebemos que o nosso tempo é agora, que o futuro é um momento, que a vida se vive a cada segundo que passa, que o importante se chama hoje, que o que queremos está aqui e não longe nos confins do infinito.
Nesse dia aprendemos que para viver é preciso fechar os olhos, aceitando sem pensar toda a felicidade que temos ali, apenas e só, naquele único momento, que jamais se repetirá.
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