… Gostava de saber o saber …
Falamos uns com os outros, muitas
vezes sem nos preocuparmos se nos ouvem ou não, se nos entendem ou não, se é
preciso ou não. Falam connosco, e por vezes não ouvimos, ou o que escutamos não
queremos, esquecemos, ignoramos, fazemos de conta que nos agrada, fingimos.
Escrevemos, muitas palavras,
muitas frases, bem redigidas ou apenas alinhadas sem cuidado, para contar
histórias ocas, sem enredo, sem conteúdo, sem pensar e com elas julgamos
agradar, entreter, assinalar.
Comemos, e voltamos a comer, para
nos alimentar, para devorar, para a gula satisfazer, muito, muitas vezes, mais
do que precisamos, e nas digestões agonizamos, enfartados, inchados, com o
estomago a doer.
Bebemos, e os líquidos não
escolhemos, seja água para saciar, vinho para acompanhar, cerveja para
refrescar, sumos para fortalecer, sempre a beber
.
Corremos, sim também corremos,
mas porque fazemos do atraso o nosso horário, da preguiça a nossa fé, sem
objectivos marcados, sem prioridades assinaladas, sem distâncias contadas, nos
caminhos da insatisfação e do desapego.
Dormimos, dormimos para
descansar, para recuperar, para recarregar, dormimos para esquecer, para
evitar, para ignorar, para nada perder. Dormimos se queremos sonhar, e no sono
não encontramos o que nele quisemos guardar. Dormimos para fazer passar o tempo
em que o Sol se esconde, para não sentirmos a escuridão que sempre queremos
afastar.
Pensamos, pensamos muito em nós,
e pouco no que nos rodeia, matutamos em problemas, caminhos, rumos, soluções.
Fazemos cálculos, imaginamos, revemos, recordamos. Pensar é o que mais fazemos,
sempre que não temos mais nada para fazer. Pensamos tanto que a cabeça nos fica
a doer. Dor de tanto esforço, sem esforço, apenas porque nos ensinaram, nos
disseram que devemos pensar muito para não errar.
Calamos, fazemos do silêncio o
nosso objectivo, porque «o silêncio é de ouro», porque o silêncio nos poupa,
porque calar é mais «inteligente» que falar, porque no silêncio não há
responsabilidade, e o mistério adia a solução, a resposta, a decisão. «Quem
cala consente», mas é falácia, é engano, é um talvez sim ou talvez não, quem
sabe o que se esconde, o que se oculta no muro do silêncio. O silêncio é
solidão, é a vontade de não dizer, é a arte de esperar para ver o que vai acontecer,
de ignorar, de conseguir enfurecer.
E eu o que faço?
Faço o que me apetece, escrevo,
falo, grito, ofendo, desculpo, aceito, esforço-me, importo-me, saúdo,
despeço-me, choro, envaideço-me, orgulho-me, riu, amordaço-me, ignoro-me,
refaço-me, cresço, caio, desfaço-me, levanto-me, apaixono-me, amo, espero,
encontro, fujo, limpo-me, imagino, sonho, acordo
.
Escrevo.
Escrevo.
E o que digo?
Nada, mesmo nada. Apenas palavras
alinhadas, frases construídas, sílabas articuladas, vírgulas, pontos,
exclamações. Os acentos que coloco agravam, agudizam, nasalam, tonalizam os
sons as interjeições.
Escrevo mesmo quando não tenho
nada para dizer, como agora, como ontem e quem sabe amanhã, num futuro cheio de
verbos, de conjugações solitárias, de momentos perdidos. Quem me lê sabe que
nada digo, apenas me junto às letras e com elas construo um corpo, e nas suas
sonoridades faço nascer uma alma que não tenho ou perdi, na procura do efémero
momento de acabar sem ter começado sequer.
Como eu gostava de saber o saber.
(08.03.2013)
3 comentários:
***** PARABÉNS ***** PARABÉNS ***** PARABÉNS ******
Parabéns pelo que escreves, AA
Palavras aparentemente simples, mas nelas estão as maiores verdades!!! Sem subterfúgios, sem metáforas... assim... nuas, cruas... explícitas.
SOBERBO!
(AA! Uma pergunta indiscreta, se me permites, claro ...
porque não tens o blog aberto totalmente??? A tua escrita é tão bela e deslumbrante. Porque não deixas que muitos, muitos e muitos leitores também tenham a honra de ler os textos magníficos que escreves??!)
DD
Palavras alinhadas com pouco cuidado, mas só para perceber se consigo comentar nesta porra boa... VV
É verdade muito íntimas e pessoais.
Obrigada pela honra de as partilhares connosco.
Mais uma vez PARABÉNS por tão sublime "caneta"
DD
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