terça-feira, 26 de março de 2013

… Gostava de saber o saber …


Falamos uns com os outros, muitas vezes sem nos preocuparmos se nos ouvem ou não, se nos entendem ou não, se é preciso ou não. Falam connosco, e por vezes não ouvimos, ou o que escutamos não queremos, esquecemos, ignoramos, fazemos de conta que nos agrada, fingimos.

Escrevemos, muitas palavras, muitas frases, bem redigidas ou apenas alinhadas sem cuidado, para contar histórias ocas, sem enredo, sem conteúdo, sem pensar e com elas julgamos agradar, entreter, assinalar.


Comemos, e voltamos a comer, para nos alimentar, para devorar, para a gula satisfazer, muito, muitas vezes, mais do que precisamos, e nas digestões agonizamos, enfartados, inchados, com o estomago a doer.

Bebemos, e os líquidos não escolhemos, seja água para saciar, vinho para acompanhar, cerveja para refrescar, sumos para fortalecer, sempre a beber
.
Corremos, sim também corremos, mas porque fazemos do atraso o nosso horário, da preguiça a nossa fé, sem objectivos marcados, sem prioridades assinaladas, sem distâncias contadas, nos caminhos da insatisfação e do desapego.

Dormimos, dormimos para descansar, para recuperar, para recarregar, dormimos para esquecer, para evitar, para ignorar, para nada perder. Dormimos se queremos sonhar, e no sono não encontramos o que nele quisemos guardar. Dormimos para fazer passar o tempo em que o Sol se esconde, para não sentirmos a escuridão que sempre queremos afastar.

Pensamos, pensamos muito em nós, e pouco no que nos rodeia, matutamos em problemas, caminhos, rumos, soluções. Fazemos cálculos, imaginamos, revemos, recordamos. Pensar é o que mais fazemos, sempre que não temos mais nada para fazer. Pensamos tanto que a cabeça nos fica a doer. Dor de tanto esforço, sem esforço, apenas porque nos ensinaram, nos disseram que devemos pensar muito para não errar.

Calamos, fazemos do silêncio o nosso objectivo, porque «o silêncio é de ouro», porque o silêncio nos poupa, porque calar é mais «inteligente» que falar, porque no silêncio não há responsabilidade, e o mistério adia a solução, a resposta, a decisão. «Quem cala consente», mas é falácia, é engano, é um talvez sim ou talvez não, quem sabe o que se esconde, o que se oculta no muro do silêncio. O silêncio é solidão, é a vontade de não dizer, é a arte de esperar para ver o que vai acontecer, de ignorar, de conseguir enfurecer.

E eu o que faço?

Faço o que me apetece, escrevo, falo, grito, ofendo, desculpo, aceito, esforço-me, importo-me, saúdo, despeço-me, choro, envaideço-me, orgulho-me, riu, amordaço-me, ignoro-me, refaço-me, cresço, caio, desfaço-me, levanto-me, apaixono-me, amo, espero, encontro, fujo, limpo-me, imagino, sonho, acordo
.
Escrevo.

Escrevo.

E o que digo?

Nada, mesmo nada. Apenas palavras alinhadas, frases construídas, sílabas articuladas, vírgulas, pontos, exclamações. Os acentos que coloco agravam, agudizam, nasalam, tonalizam os sons as interjeições.

Escrevo mesmo quando não tenho nada para dizer, como agora, como ontem e quem sabe amanhã, num futuro cheio de verbos, de conjugações solitárias, de momentos perdidos. Quem me lê sabe que nada digo, apenas me junto às letras e com elas construo um corpo, e nas suas sonoridades faço nascer uma alma que não tenho ou perdi, na procura do efémero momento de acabar sem ter começado sequer.

Como eu gostava de saber o saber.

(08.03.2013)

3 comentários:

Anónimo disse...

***** PARABÉNS ***** PARABÉNS ***** PARABÉNS ******


Parabéns pelo que escreves, AA

Palavras aparentemente simples, mas nelas estão as maiores verdades!!! Sem subterfúgios, sem metáforas... assim... nuas, cruas... explícitas.

SOBERBO!

(AA! Uma pergunta indiscreta, se me permites, claro ...
porque não tens o blog aberto totalmente??? A tua escrita é tão bela e deslumbrante. Porque não deixas que muitos, muitos e muitos leitores também tenham a honra de ler os textos magníficos que escreves??!)

DD

Anónimo disse...

Palavras alinhadas com pouco cuidado, mas só para perceber se consigo comentar nesta porra boa... VV

Anónimo disse...

É verdade muito íntimas e pessoais.

Obrigada pela honra de as partilhares connosco.

Mais uma vez PARABÉNS por tão sublime "caneta"

DD