sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Avenida do Brasil



Cinco da tarde… em ponto. 

Caía-a aquela chuvinha irritante, aquela que só molha os distraídos que não têm mais nada para fazer que apanhá-la. Eu fazia parte desse grupo. Saí mais cedo do emprego, tinha montes de coisas para fazer, entre elas ir ao supermercado comprar comida para o meu cão (a fera come muito – pudera, é enorme!).

Estava na paragem do autocarro, sob o alpendre de vidro que consegue proteger da intempérie, aí umas dez pessoas (bem aconchegadas). Eramos apenas cinco, por isso ainda havia algum espaço disponível por ali. A noite começava a cair, estávamos já naquele lusco-fusco que tudo esconde, em que nada se vê, com a iluminação municipal apagada porque não chegou a hora em que os relógios a ligam, e a escuridão chegada das nuvens sem hora para tapar o sol.

Na avenida de quatro faixas, em que me encontrava, o passeio é recortado junto das paragens dos transportes públicos, para que estes possam parar fora da via, sem prejudicar o transito, que é muito intenso sempre, mas especialmente àquela hora. Como faltavam doze minutos para passar o que esperava, estava ali distraído a observar o que se passava em meu redor.

Nessa altura avistei uma mulher, no passeio oposto àquele em que me encontrava, de chapéu-de-chuva aberto, mala a tiracolo, gesticulando freneticamente como se fosse para mim. Mas não era! À minha frente, na faixa de rodagem da direita, parou um enorme BMW preto, sem pisca-pisca ligado, ou luzes de alerta acesas. Um braço atravessou a janela do condutor e acenou para a mulher atravessar a avenida. No entanto o trânsito era tão intenso que a impedia de o fazer.

Os gestos do proprietário do carro de luxo tornaram-se mais nervosos, como que a dizer que estava a ficar impaciente, mas o carro continuava parado no mesmo lugar, impedindo a circulação naquela faixa. Atrás dele já estavam parados uns vinte e cinco ou trinta carros. Mas com certeza não era por isso que estava impaciente.

A mulher do chapéu-de-chuva, continuava a tentar atravessar a avenida mas sem sucesso. O homem do BMW gritou:

“Atravessa de uma vez que esses tipos param!” – e ela respondeu:

“Não param não, não sou capaz, nunca mais!”.

A fila de carros impedidos de andar já tinha aumentado substancialmente, algumas faziam sinais de luzes e outros buzinavam. O homem do carro preto não avançou um milímetro, não esboçou qualquer intensão de tirar o carro da faixa que ocupava. Abriu a porta do carro, atravessou as faixas sem olhar, obrigando uns quantos a travaram bruscamente no chão molhado, chegou junto da mulher que esbracejava, recolheu um envelope que esta tinha na mão e, regressou pelo mesmo caminho, exactamente da mesma maneira, sem se importar com os insultos e os protestos de toda a gente.

Calmamente entrou no BMW, fechou a porta, guardou o envelope num local fora do alcance dos meus olhos, ligou o carro e foi embora sem sequer olhar para a mulher que continuava no passeio oposto ao meu, ou pedir desculpa à fila interminável de carros que estava a impedir de circular. Aquele senhor quem seria?
Pensei de mim para mim… era um mal-educado qualquer, mas quando o olhei no percurso de regresso, vi que ostentava na lapela do casaco azul-escuro, um pin de um reputado colégio da nossa praça, onde a disciplina e o respeito são normas inabaláveis. Mas pêlos vistos educação não fazia parte do curriculum obrigatório e, respeito… deveria ter faltado às aulas!

Lisboa seria muito mais feliz, se não existissem por cá, senhores mal-educados a conduzir BMWs!

Lisboa seria muito mais feliz, se não existissem por cá, senhores mal-educados a conduzir outros carros que não fossem BMWs!

Lisboa seria muito mais feliz, se não existissem por cá, senhores mal-educados a andar a pé porque não têm dinheiro para comprar BMWs!

Lisboa seria muito mais feliz, se não existissem por cá, senhores mal-educados!

Lisboa seria muito mais feliz, se não existissem por cá, quem sabe!... BMWs?!

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