Estava ainda calor, neste quase
final de tarde. Mantinha-me ali, debaixo da arcada de pedra que protegia a
esplanada do café onde me encontrava. A garrafa de água gelada tinha chegado a
meio e já não era tão gelada, nem me refrescava como devia, mas sempre me ia
enganando a sede.
No cinzeiro, uma beata mal
apagada, soltava um fino fio de fumo branco, que se perdia na vertical sem se
desviar, no ar parado que não sentia vento nem brisa para o desassossegar.
Distraidamente ia olhando o fumo enquanto subia, apenas para verificar aquilo
que já sabia.
No passeio passava gente, gente
anónima como eu, que ninguém conhecia, na azáfama diária, no vai vem
casa-trabalho, trabalho-casa, ou apenas por distracção, para ver caras ou
respirar um novo ar.
Ouvi um bater que não era passos,
um bater metálico contra a pedra daquele chão. Olhei, vi a cega que caminhava,
com a bengala que lhe protegia o passo e no chão marcava compasso.
Era baixa, muito baixa, pouco
mais que a altura que eu ocupava sentado, na mão direita a bengala, na esquerda
um saco. Andava rapidamente, muito mais rapidamente do que eu alguma vez
imaginaria que um cego conseguiria fazer. Cada passo era uma decisão de um
momento, acompanhando a parede que a ladeava. As mesas da minha esplanada eram
um obstáculo no seu caminho. Levantei-me para a avisar, mas nem um único passo
tive tempo de dar.
Virou, marcou um angulo, decidiu
e passou, passou ao lado das cadeiras abandonadas, das mesas, como se visse,
como se o vento que não havia lhe tivesse sussurrado o aviso que eu queria.
Em frente da porta do café traçou
outro rumo, e entrou bem o meio da porta.
Ouvi-a dizer lá dentro: “Boa
tarde! Queria um café! Obrigada”.
Passados breves minutos, assomou
da porta por onde entrara, a bengala começou no ritmo, martelando o chão.
Passou sob a arcada, apanhou o passeio, virou e seguiu, seguiu na sua
velocidade de cruzeiro, aquela que era muito superior ao que eu imaginaria.
Segui-a com os olhos, desceu a
rua, desapareceu numa esquina.
Fechei os olhos, tentei imaginar
o que via – NADA. Continuei de olhos fechados, pensei… então imaginei o que
sentiria. Os olhos iluminaram-se por dentro, apenas luz, mais nada, sem
sombras, sem arcadas, sem sol, apenas calor. Senti o fresco da garrafa que me
fazia companhia.
Então senti um respirar, e outro,
e outro. Senti o chão que me segurava, senti a cadeira que me apoiava, senti o
vento que não fazia, senti a mesa que nem me tocava.
Nessa altura, de olhos
fechados. Vi !
Sem comentários:
Enviar um comentário