sábado, 7 de setembro de 2013

O Lobo uivou


Por aquela enorme planície verde, corriam caminhos, serpenteando por sobre o tapete macio, desviando-se de cada tronco, de cada tufo de floresta que se avistava por ali. Por vezes largos, estreitavam-se nas curvas, como se avisassem que ali era preciso abrandar, virar com cuidado para com nada esbarrar.

As pedras que se avistavam, solitárias, perdidas no meio do verde, às vezes juntas em pequenos grupos, não ameaçavam os trilhos, demasiado pisados para que as chuvas invernosas os amolecessem.

Contrariando essas certezas, porque era assim a sua natureza, o Lobo nunca seguia os caminhos que outros haviam percorrido, nunca pisava o chão já espezinhado, não seguia os mesmos rumos por mais seguros, abertos, claros. Nunca o faria porque não queria, porque o caminho indicado não lhe servia, não o satisfazia. Ali não existiam desafios, nem perigos, as surpresas eram coisa impensável nos carreiros definidos.

O Lobo preferia o desconhecido, o desafio escondido na erva alta que o cobria, o improvável espreitava, construído de tantas armadilhas, de sons, de choros, de vozes que da surdina se ouviam, de piares, de passos abafados, de tocas e buracos, nunca se sabia, nunca se via, nunca se pressentia.

Mas nesse labirinto sem norte surgiam borboletas que o deslumbravam, outros lobos que o desafiavam, lutas que não recusava, flores, belas flores que interpretavam melodias com seus perfumes, quebravam o verde das ervas com tantas cores, e fêmeas, lobas lindas que o espreitavam, que o desejavam, que tantas vezes o satisfaziam ou se insinuavam e depois fugiam. E o Lobo gostava!

O Lobo gostava, o Lobo recordava a bela Loba Branca. Fazia tempo que não a farejava, escondida que estava porque assim o queria, decerto abrigada na sombra, protegendo o pelo luzidio que vestia. Só aquela Loba o fazia regressar ali, para recordar tudo o que por ali se vivera, tudo o que juntara em seduções, eu lutas, em sangue que escorrera, mas também nas correrias, nas brincadeiras, no que partilhavam para se defender. Os olhos conheciam-se, cruzavam-se, trocavam-se, entendiam-se, enquanto tanta coisa os unia. Era uma união que valia nas lutas que travavam, que os ajudava, que lhes dava novos alentos, que lhes oferecia horizontes de mel pintados.

Era o cheiro que o trazia.

Era pura nostalgia.

Lembrava tudo, via tudo, nada esquecera, nada esqueceria porque o marcara, as cicatrizes demonstravam-no e como o demostravam.

E no meio da erva alta ouviu uma voz que cantava. Do meio da erva alta escutou um sorriso. No meio da erva alta ouviu mas nada viu.

Então o Lobo uivou, uivou duas vezes e seguiu.

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