Este deserto vive de corações.
Este deserto tem verde, vive em verde, cresce em verde, mas tinge-se,
repinta-se de outras, incorpora-se em contraste, as sombras são vermelhas,
amarelas pintadas a oiro ou quase brancas, por vezes cinzentas ao entardecer, negras
que se passeiam pelas pedras, por entre as pedras, abraçando folhagens, olhos,
abraços.
Este deserto vive de corpos;
corpos de todas as cores, de tantos tamanhos, que voam, que se passeiam, que
rastejam, que descansam. Este deserto vive com os corpos, revive com as
carícias, com as imperfeições deslizantes, com a pele que se humedece, nos
roçares tímidos, nos encontros escaldantes das paixões, nos abraços dos amores
incontrolados, dos choros, nas lágrimas das ilusões.
Este deserto vive de olhos; olhos
calados, que o percorrem, que o interrogam, que se alimentam de perguntas não
respondidas, de surpresas apetecidas. Este deserto vive de olhos que se
encontram, olhos que se penetram, que se permitem, que confiam, que se trocam
em mares azúis de enormes delícias, ondulando em marés secas de dores
esquecidas, e que nos seus brilhos embalam cada flor como brisas. Este deserto
vive de olhos que se querem.
Este deserto não é igual; neste
deserto não há miragens, tudo existe mesmo que não exista, tudo se toca mesmo
que não se alcance, tudo se vê mesmo que escondido pelo horizonte, tudo se ouve
mesmo quando tudo se cala, tudo se sente mesmo quando a solidão grita a sua
força, o amor permanece, a paixão perdura, a saudade é doce nas pétalas de cada
flor.
Este deserto vive de algodão;
neste deserto o algodão amacia tudo, o chão, as areias, os charcos, os troncos,
as florestas dos oásis; este algodão é chão, chão onde as pegadas não deixam
marcas, onde se ignora quem SOU, onde não se marca quem ÉS, onde apenas somos,
SOMOS o que queremos, porque QUEREMOS, quando QUEREMOS, onde a liberdade não
existe, porque a liberdade só existe nas prisões, nas grilhetas, nas amarras;
neste deserto a LIBERDADE chama-se VONTADE,
Neste deserto, ESTAMOS.
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