Sombra que és minha

Sombra que me acompanhaste esta noite

Pelas ruas desertas do meu bairro,

Cruzando carros que corriam cheios

De homens, de mulheres, de crianças sem

Sombra, misturadas com os negros

Que inundam os seus interiores, iluminados

A espaços de cada momento,

Sombra que trepaste paredes, estendeste

Calçadas de pedras urdidas, ladeadas,

Quietas na brancura amarelada

De cada pé pisado,

Misturada com outras pequenas que desciam

Até ti, caídas de folhas de troncos,

De ramagens abanadas

Sombra que iludiste o balcão daquela

Varanda, te desenhaste de linhas

Quebradas em cada aresta, que entraste

Pela janela aberta daquele segundo

Andar, cobrindo a mulher nua, suada, estendida

Sobre um lençol vermelho, amarrotado de sexo,

De olhos fixos no tecto, amarelecido

Pelo fumo de tantos cigarros fumados

No depois da solidão,

Sombra que tudo isto fizeste, diz-me:

Onde está a outra sombra, a que te acompanhava

Nas noites frias, que se afastava para que se visse

A magia das mãos dadas, nos olhos

Que sempre as olhavam nos corpos que se desejavam

Perdidos nos caminhos, que se apagava

Cada vez que a luz que te iluminava

Se extinguia, mas logo, logo, sempre

Outra se acendia.

Sombra que és minha, não deixes essa mão

Vazia.