Na savana apenas os ossos dos
predadores resistiam. As carcaças ressequidas pelo sol permaneciam intactas,
como se o tempo não lhes tocasse, como se os abutres se tivessem esquecido dos
restos da última refeição, como se o vento não fosse forte o suficiente para
quebrar as articulações, desfazer as estátuas ocas que continuavam a desafiar o
correr dos dias.
Parecia que a savana nos seus
infinitos mistérios, protegia aqueles esqueletos, e os mantinha seguros nas
suas poses e esgares, agressivos como se estivessem vivos, apenas sem pelagens,
sem carne, sem olhos, sem sexo, sem vida. Aqueles ossos atestavam que feras
enormes, traiçoeiras, sedentas de água, de sangue, tinham estado ali, tinham
permanecido ali, presas de amores impossíveis, incapazes de realizar os sonhos
oferecidos, impotentes para perceber o mistério que a savana envolvia. E a
savana não perdoou, a savana inundou as suas bocas de sedes imensas, insaciáveis,
mostrou-lhes a água em miragens cada vez mais distantes, guiou-os por caminhos
sinuosos, onde os espinhos da erva rasteira os martirizou fazendo-os perder
cada gota de sangue que ainda tinham.
Cada esqueleto que a savana
ostentava era um aviso, um alerta para os que se mantinham vivos, para os que
não perdiam a esperança, para os que sabiam amar, para os que sabiam perder,
para os que mantinham sonhos despertos, para os que ignoravam a Gazela atrevida
que teimava em beber água no seu charco.
O Lobo continuava na sua sombra,
as Lobas e as Leoas mantinham o brilho do desejo nos corpos que se perdiam no
horizonte ondulante, os Leões continuavam a sorrir em cada olhar das fêmeas
deitadas, rugindo em surdina, nos silêncios que a savana respeitava. Quem amava,
amava, quem sonhava, sonhava, que desejava, desejava, quem se calava, ouvia.
A Gazela saciada, abandonou o
charco perdendo-se na linha do horizonte, sem que as feras absortas em seus
pensamentos a tivessem importunado.
A savana guardou os seus
esqueletos, continuou a deixar brilhar o sol escaldante que tudo queimava, o
bater das asas de aves e de borboletas continuou a não se ouvir, incapaz de
cortar o seco que avassalava e o pó que cobria tudo. Mas mesmo assim a savana
continuava bela no desafio que se via brotar dos seus mistérios intermináveis.
Afinal era o mistério que o Lobo
partilhava e a savana defendia.
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