domingo, 18 de agosto de 2013

A Savana IV - Esqueletos


Na savana apenas os ossos dos predadores resistiam. As carcaças ressequidas pelo sol permaneciam intactas, como se o tempo não lhes tocasse, como se os abutres se tivessem esquecido dos restos da última refeição, como se o vento não fosse forte o suficiente para quebrar as articulações, desfazer as estátuas ocas que continuavam a desafiar o correr dos dias.

Parecia que a savana nos seus infinitos mistérios, protegia aqueles esqueletos, e os mantinha seguros nas suas poses e esgares, agressivos como se estivessem vivos, apenas sem pelagens, sem carne, sem olhos, sem sexo, sem vida. Aqueles ossos atestavam que feras enormes, traiçoeiras, sedentas de água, de sangue, tinham estado ali, tinham permanecido ali, presas de amores impossíveis, incapazes de realizar os sonhos oferecidos, impotentes para perceber o mistério que a savana envolvia. E a savana não perdoou, a savana inundou as suas bocas de sedes imensas, insaciáveis, mostrou-lhes a água em miragens cada vez mais distantes, guiou-os por caminhos sinuosos, onde os espinhos da erva rasteira os martirizou fazendo-os perder cada gota de sangue que ainda tinham.

Cada esqueleto que a savana ostentava era um aviso, um alerta para os que se mantinham vivos, para os que não perdiam a esperança, para os que sabiam amar, para os que sabiam perder, para os que mantinham sonhos despertos, para os que ignoravam a Gazela atrevida que teimava em beber água no seu charco.

O Lobo continuava na sua sombra, as Lobas e as Leoas mantinham o brilho do desejo nos corpos que se perdiam no horizonte ondulante, os Leões continuavam a sorrir em cada olhar das fêmeas deitadas, rugindo em surdina, nos silêncios que a savana respeitava. Quem amava, amava, quem sonhava, sonhava, que desejava, desejava, quem se calava, ouvia.

A Gazela saciada, abandonou o charco perdendo-se na linha do horizonte, sem que as feras absortas em seus pensamentos a tivessem importunado.

A savana guardou os seus esqueletos, continuou a deixar brilhar o sol escaldante que tudo queimava, o bater das asas de aves e de borboletas continuou a não se ouvir, incapaz de cortar o seco que avassalava e o pó que cobria tudo. Mas mesmo assim a savana continuava bela no desafio que se via brotar dos seus mistérios intermináveis.

Afinal era o mistério que o Lobo partilhava e a savana defendia.


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