quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Quando nos levantámos do chão


Foi num Sábado de Verão. Estava um dia igual a qualquer dia normal de um qualquer estio, quente o suficiente para não nos esquecermos da estação em que estávamos, mas não demasiado.

Depois do almoço em casa, por causa de qualquer coisa estúpida, tão estúpida que nem me recordo do que se passou, tivemos uma discussão azeda e ela saiu porta fora. Por vezes acontecia zangarmo-nos, coisas que os casais não conseguem evitar, especialmente quando são teimosos e casmurros como nós. Não havia nada a fazer quando acontecia, saía sozinha e só voltava horas depois, quando se acalmava e sabia que eu também já o estaria.

Nem sequer esbocei algum gesto para a demover, porque estava tão furioso como ela.

Estive toda a tarde em casa a ouvir umas músicas com uma bebida ao lado e um livro na mão.

Umas duas horas e meia depois, ou talvez três horas depois, apeteceu-me beber um café. 

Saí e desci a rua. Passei pelos três cafés onde o costumava fazer, mas não entrei em nenhum. Não me apetecia ver caras conhecidas que me perguntassem por ela, habituados que estavam a ver-nos sempre juntos, de mão dada, a partilhar uma bebida ou um bolo. Não me apetecia dizer que não fazia a mínima ideia onde andaria, ou arranjar uma desculpa credível para não ter que o fazer.

Mais à frente virei numa das transversais e subi-a passando por mais duas pastelarias onde ia algumas vezes com ela. Continuei. Quando dei por mim, estava à porta do Cinema Londres. Já lá não entrava aí para uns dois anos, ou talvez mais. A última vez que ali tinha entrado tinha sido exactamente com ela, numa sessão da tarde de um Sábado ou Domingo de Outono, disso lembrava-me.

Entrei, percorri o átrio e desci a escada. Dirigi-me para o snack-bar, ao lado da porta do cinema e encostei-me ao balcão. As portas do cinema abriram-se e começaram a sair pessoas. O empregado perguntou-me o que queria e eu estava tão distraído a ver quem saía, que automaticamente pedi – “Duas bicas se faz favor”.

O empregado afastou-se, dirigindo-se para a máquina de café. Segui-o com os olhos. Quando o vi agarrar em duas chávenas, apercebi-me que me tinha enganado e chamei-o, embora não me tenha ouvido e o café já estivesse a correr do filtro.

Ia chamá-lo outra vez, mas antes de o fazer olhei para a porta do cinema outra vez e ela apareceu por detrás de um grupo que saía. Rapidamente girei no balcão para ficar de costas, não queria ser visto, não fosse pensar que a seguira, o que só iria piorar as coisas. Fiquei um minuto quieto, era tempo suficiente para ter já subido as escadas. O empregado colocou à minha frente as duas bicas e eu virei-me. Dei de caras com ela. Estava mesmo ao meu lado e também não me tinha visto.

Recompôs-se mais depressa do que eu e perguntou – “Estás aqui a fazer o quê?”, “Vim beber café, não vês?” – Respondi meio azedo.

“Dois cafés?”. Caí em mim, já nem me lembrava que tinha pedido dois cafés, que barraca. Comecei a rir e disse-lhe que me tinha enganado. Era a força do hábito e que a convidava para o tomar comigo. Perguntou-me se a tinha seguido e quase lhe bati. Ela tinha obrigação de saber que nunca o faria em nenhuma circunstância. Pediu-me desculpa.

Bebemos o café em silêncio. Quando terminámos, dei-lhe um beijo e despedi-me. Virei costas e subi a escada, atravessando o átrio em direcção à rua. Senti uma mão quente que acabara de segurar a minha. Olhei para o lado, era ela a sorrir.

Parei, abracei-a e beijei-a. Quando abri os olhos vi que estávamos a dificultar as entradas e as saídas.

Fomos de mão dada, calados, até casa, trocando beijos de vez em quando. Começámos a falar umas duas horas depois, quando nos levantámos do chão.

2 comentários:

Anónimo disse...

Creio já ter lido noutra ocasião este texto. Se não era este, era outro que contava esta maravilhosa história. A imagem faz-me lembrar uma outra com joelhos esfolados na alcatifa...

Eu não sou ninguém disse...

Não foi este que tem menos de vinte e quadro horas, mas sim, já a tinhas lido noutro lugar, escrita de outra maneira.
Apeteceu-me revisitar esta situação porque a relembrei quando passei ontem na porta do cinema.
Também pensei na alcatifa (quando encontrei esta imagem).

Beijos