sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Lagartas brancas com uma risca vermelha no dorso


Perto de minha casa havia um enorme pinhal, um pinhal onde os pinheiros se misturavam com alguns eucaliptos altíssimos, atestando a idade que tinham, de troncos grossos e muito direitos.

Ia lá sempre quando era preciso apanhar pinhas, e também caruma, para o meu pai colocar no fogareiro onde se assavam as sardinhas, o chouriço e os pimentos, no fogareiro que tínhamos no nosso quintal.

Também apanhava ramos de eucalipto, para a minha mãe colocar na dispensa, junto da roupa lavada que esperava pelo calor do ferro de engomar.

No pinhal, às vezes, cruzava-me com prostitutas que se escondiam da polícia que as perseguia, e só depois percebi, que pese embora ser a mais antiga profissão do mundo não é lá muito bem vista pela sociedade, vá-se lá saber porquê, se a única diferença do que fazem é cobrar pelo serviço que outras fazem de graça.

No pinhal havia também lagartas. Umas lagartas brancas com uma risca vermelha no dorso e que pareciam ter pêlo. Apareciam às vezes aos milhares e o seu comportamento não era muito normal. Formavam filas intermináveis, em que cada uma colocava a cabeça e as patas da frente, no dorso da que a antecedia, e a fila por vezes transformava-se numa enorme roda, com todas muito juntinhas, mas sempre cavalgando a da frente.

Imaginei que talvez fossem cegas e, que a da frente fosse a mais experiente e as conduzisse por caminhos seguros que já tivesse percorrido, mas depois descobri que não. Não era cegueira mas apenas falta de imaginação.

Descobri também, que embora pequenas e fora do comum, com a sua risca vermelha no dorso, eram extremamente perigosas. Não se lhes podia tocar porque eram venenosas e provocavam-nos alergias enormes (tal como aconteceu a um dos meus amigos que lhes foi mexer).

Mais tarde, quando cresci, percebi que aquele pinhal era igual ao mundo, a um mundo com prostitutas, meninos e lagartas, um mundo onde a polícia persegue as prostitutas que vendem o corpo e deixa em paz as outras, as que não cobram nada mas que se ajeitam para conseguir o que querem, vendem a alma para agarrar o que está pendurado nas árvores, porque não se contentam com o que se apanha do chão. Um mundo onde as lagartas se fingem cegas, porque é mais fácil ao cego não ver, e se encostam à da frente para não terem de decidir e escolher um caminho.

Estas lagartas também são perigosas como as do pinhal, presas nos seus círculos enormes, impedindo quem quer andar, obstruindo os caminhos de quem quer ver.

Hoje, o pinhal ainda lá está, mas cortado a meio por uma estrada que o dividiu, e agora só lá existem lagartas brancas com uma risca vermelha no dorso.


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