Perto de minha casa havia um
enorme pinhal, um pinhal onde os pinheiros se misturavam com alguns eucaliptos
altíssimos, atestando a idade que tinham, de troncos grossos e muito direitos.
Ia lá sempre quando era preciso
apanhar pinhas, e também caruma, para o meu pai colocar no fogareiro onde se
assavam as sardinhas, o chouriço e os pimentos, no fogareiro que tínhamos no
nosso quintal.
Também apanhava ramos de
eucalipto, para a minha mãe colocar na dispensa, junto da roupa lavada que
esperava pelo calor do ferro de engomar.
No pinhal, às vezes, cruzava-me
com prostitutas que se escondiam da polícia que as perseguia, e só depois
percebi, que pese embora ser a mais antiga profissão do mundo não é lá muito
bem vista pela sociedade, vá-se lá saber porquê, se a única diferença do que
fazem é cobrar pelo serviço que outras fazem de graça.
No pinhal havia também lagartas. Umas
lagartas brancas com uma risca vermelha no dorso e que pareciam ter pêlo. Apareciam
às vezes aos milhares e o seu comportamento não era muito normal. Formavam filas
intermináveis, em que cada uma colocava a cabeça e as patas da frente, no dorso
da que a antecedia, e a fila por vezes transformava-se numa enorme roda, com
todas muito juntinhas, mas sempre cavalgando a da frente.
Imaginei que talvez fossem cegas
e, que a da frente fosse a mais experiente e as conduzisse por caminhos seguros
que já tivesse percorrido, mas depois descobri que não. Não era cegueira mas
apenas falta de imaginação.
Descobri também, que embora
pequenas e fora do comum, com a sua risca vermelha no dorso, eram extremamente
perigosas. Não se lhes podia tocar porque eram venenosas e provocavam-nos
alergias enormes (tal como aconteceu a um dos meus amigos que lhes foi mexer).
Mais tarde, quando cresci,
percebi que aquele pinhal era igual ao mundo, a um mundo com prostitutas,
meninos e lagartas, um mundo onde a polícia persegue as prostitutas que vendem
o corpo e deixa em paz as outras, as que não cobram nada mas que se ajeitam
para conseguir o que querem, vendem a alma para agarrar o que está pendurado
nas árvores, porque não se contentam com o que se apanha do chão. Um mundo onde
as lagartas se fingem cegas, porque é mais fácil ao cego não ver, e se encostam
à da frente para não terem de decidir e escolher um caminho.
Estas lagartas também são
perigosas como as do pinhal, presas nos seus círculos enormes, impedindo quem
quer andar, obstruindo os caminhos de quem quer ver.
Hoje, o pinhal ainda lá está, mas
cortado a meio por uma estrada que o dividiu, e agora só lá existem lagartas
brancas com uma risca vermelha no dorso.
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