A enorme planície verde
continuava igual, atapetada daquele verde seco, onde o branco dos malmequeres
que cresciam aqui e ali, se misturava com o azul dos amores-perfeitos e com o
vermelho das rosas enormes, escondidas pelos espinhos que as defendiam das mãos
que se estendiam para as colher.
A enorme planície verde
continuava plana, com as mesmas árvores e leves desníveis, imperceptíveis para
quem a olhava despreocupadamente, para quem não via as sementes cair e
desconhecia que a brisa as arrastaria para onde não existissem outras árvores,
esperando pela primavera que as quisessem ajudar.
O céu continuava azul, misturado
com o verde, naquele risco castanho, ténue que ninguém via, de tão longe que a
vista alcançava e se fundia. Nada mudara entretanto no suceder de tantos dias
que passaram pela planície que era verde, e de tão calma, de tão verde, de tão
igual, continuava ali como se segredos não existissem, como se tudo se visse,
nada se escondesse, naquela imensidão plana e verde.
Mas não era assim, não era assim
para quem olhava a planície, para quem via as suas sombras, para quem escutava
os sons que os trinados dos pássaros e o bater das asas das borboletas
disfarçavam, mascarando a melodia, para quem abraçava os corpos sensualmente
transparentes que as suas entranhas faziam nascer junto do peito de quem via e
sabia ler os olhos, os silêncios, os brilhos. A planície tinha segredos.
Sim ouviam-se, pássaros,
borboletas, sapos, minhocas que mastigavam raízes, o assobio da brisa, folhas
caindo no atapetado verde e o silêncio dos mesmos olhos que mais uma vez se
mostraram transparentes e negros, falando de tudo o que guardava, amava e
temia. Esse silêncio entrou em mim, invadiu tudo o que via por ali, despertou
lembranças, apagou outras, deixou tudo o que era bom.
Tudo se sentia equilibrado, nada
abafava nada, tudo se mostrava em segredo.
Aconteceu ouvir aquele som
enorme, que ribombou pela planície com um trovão assustador, como uma onda
gigante que rola pela praia e arrasa tudo o que se levanta do chão para viver. O
som veio encher-me os ouvidos e nos meus ouvidos ficou a soar, a soar bem alto,
mas ninguém mais o ouviu, ninguém mais o escutou ou lhe ligou. Ninguém o notou
mas percebi a ameaça que não era minha e, os olhos transparentemente negros
continuaram a contar no seu silêncio, todos os segredos que se gravavam na
enorme e interminável planície.
Os dias foram morrendo, outros
nasceram, na paz podre da planície, no verde igual, misturado com o céu azul, perdidos
na linha castanha que se formava no limiar do horizonte, nos corpos
insinuantemente transparentes, nos olhos negros que no silêncio se contavam.
E o rugido que eu sabia e
esperava ouviu-se. Ecoou pela planície calma como um tremor de terra, e os
corpos ouviram-no e tornaram-se mais insinuantemente transparentes, e os
pássaros e as borboletas pousaram nas árvores para que não se ouvissem as suas
asas, e as folhas deixaram de cair das árvores, parada a brisa que se calou. Os
olhos negros fecharam-se.
Os olhos negros fecharam-se para
que o silêncio que cantavam não pudesse sair, para que os olhos que os sabiam
ler, não entrassem por aquele mar de segredos e o rugido os ouvisse e
aumentasse.
Mas os olhos negros mesmo
fechados continuavam transparentes, continuavam a gritar cada desejo, a mostrar
cada recanto, a transbordar de medo e de incerteza. Mas quem leu calou, quem
leu apenas sentiu, porque o seu sentir era imune ao grito rugido que ecoava por
aquela planície verde e que todos calou. Os olhos que sabiam ler nunca
contariam o que sabia, o que lera, o que sentira.
Os olhos que sabiam ler não
sabiam falar.
Os olhos que sabiam ler apenas
sabiam beijar.
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