sábado, 6 de julho de 2013

Loucuras

Estava sentado na cama, dois enormes almofadões nas minhas costas, impediam que tocasse a parede branca, que atrás de mim ficava. As pernas estavam esticadas, os pés cruzados e na mesa-de-cabeceira um copo de água gelada, bem gelada, tanto que o copo suava, e o suor escorria para o pires onde estava.

Bebo sempre água muito gelada, todo o ano, esteja um calor tórrido como agora, ou aquele frio do rigoroso inverno que passámos. E bebo tanta sempre, que o meu frigorífico está “artilhado” para que não falte, para que nunca seque e me deixe um dia sequioso.

Sobre as coxas descansava o meu computador. Estava ligado, como estou quase sempre àquela hora, ligado no espaço cibernético que tão bem conheço, onde os segredos não são segredos, onde os medos são coisa de meninos, os feios e os maus são apenas bons samaritanos a tentar ”ajudar mais uma velhinha a atravessar a rua”, os amigos são “virtuais” e unidos pela conveniência, onde os “espertos” tentam criar mistérios, as fotografias não têm caras nem corações, os deuses são os maiores pecadores, os corpos não têm sexo, os nomes nada significam.

Mas nos perigos alguns navegam com outras intensões, menos censuráveis, mais verdadeiras. Esses procuram saber, conhecer, viajar até onde não podem, presos que estão no vazio dos recursos que não têm, e em segundos atravessam oceanos, voam sobre mares imensos e azuis, tripulando aviões de alta velocidade, máquinas sem combustível, sem asas, sem o som do roncar dos motores, sem esforço.

Ao alcance da mão ficam pessoas, no horizonte aparecem tempestades, chuvas torrenciais que não os molham, raios rasgando o céu mas não os atingem, pensamentos, textos, notícias, poemas, saberes de tantos povos, de quem nasceu, de quem morreu. Encontram-se amigos, verdadeiros amigos, companhias a que se contam segredos, a quem se confessa o impensável, criam-se laços, ama-se, vive-se e fala-se à velocidade da luz, à velocidade do laser que leva cada palavra, cada frase, cada acento, através da fibra óptica da grossura de um fio de cabelo, e que no outro lado deposita uma rosa vermelha no colo de alguém.

Conheço bem este mundo, sei o que vale e o que não vale, uso-o para falar, para conviver, para ajudar, para criticar, para conhecer, para investigar e especialmente para provocar.

Mas como dizia no início, estava na cama com o computador sobre as pernas, as mãos apoiadas, os dedos premindo cada tecla, e no “papel” que se sobrepunha a tudo, surgia um poema onde a fruta era mote e o chocolate era tema. Brincava, escrevia e falava, falava palavras que não ouvia, que não eram para mim, e com cada uma que lia sorria.

A conversa cresceu, ganhou asas, criou momentos, trocámos beijos, abraços, rimos como dois palhaços, sentimos fome, saboreámos doces, trincámos frutas, fizemos a distância parecer pequena, curta, muito curta, como sempre fazemos. É como se estivéssemos ali bem perto.

Num momento ouvi dizer – “apetecia-me que estivesses aqui, sentado a meu lado, para que a conversa tivesse outro fado…” – e eu como sempre, mergulhado no meu mundo que não existe, onde tudo não é nada, onde o nada é sempre muito, respondi, escrevi neste teclado – “e então qual é o problema, estamos tão perto, apenas alguns milhares de quilómetros nos separam, porque não vens até aqui. A garrava de vinho branco está fresca, os copos arranjados, a conversa está a meio, a noite vai alta, calma, atira-te de cabeça, vem atrás da palavra que escreveste, eu não tenho pressa, espero por ti.”. Premi a última tecla e a mensagem partiu, transformou-se em luz vermelha que iniciou a corrida, misturou-se com milhares de conversas, abriu caminho, rasgou horizontes, afastou outras luzes…

Fiquei a olhar esperando ver aquele visto que aparece e nos diz, que a mensagem foi entregue e vista, lida, quem sabe compreendida. Um segundo, dois, três, quatro, e zás, lá estava ele. Esperei, as tuas respostas costumam ser rápidas, esperei, passaram dez segundos, vinte, um minuto, o cursor piscava parado na posição em que o deixara, piscava uma e outra vez, mas a resposta não chegava, tardava. Que aconteceu, pensei, desapareceu?

Mas passados mais uns instantes surgiu uma luz, um brilho que dele brotava, enorme, assustador para qualquer incauto cibernauta desavisado, e a luz cresceu, inundou o quarto e bem no seu meio apareceu uma sombra que gatinhava, gatinhava para mim. Foi crescendo, foi-se aproximando, nasceste daquela luz.


O vinho encheu os copos, a conversa enleou-se, os copos chocaram, estavas mesmo ali.


4 comentários:

Anónimo disse...

Que LOU-CU-RA!!! E o que veio depois??

Eu não sou ninguém disse...

Obrigado.

Adorei a pergunta... "e o que veio depois?", sabes porquê?

Porque o melhor de um texto ou de um poema é o que deixa por dizer, são as dúvidas que faz nascer nas cabeças de quem os lê, porque as respostas são de cada um.

As respostas não me pertencem, porque eu sou apenas e só um agente provocador.

Gosto de quem tem a coragem de perguntar, porque nem todos são capazes de o fazer.

Beijos.

Anónimo disse...

Isto é o que acontece quando desligas o anti-virus e desactivas o firewall-----> resultado: vírus informático

Bravo! Belissíma fantasia

DD

Eu não sou ninguém disse...

És mesmo tu DD! Dei uma enorme gargalhada quando li o teu comentário e por pouco o meu amigo não me mordeu um pé.

És GRANDE! Obrigado.

Um beijo para ti.