segunda-feira, 1 de abril de 2013

Agora sim, sei a razão por que estou aqui.


Já estive aqui, acho que sim, lembro-me destas árvores, destes ramos retorcidos, é certo que com mais folhas, foi noutro ano, noutra estação, noutro calor. Já estive aqui, quando havia Sol, mais luz, mais calor, à sombra destas árvores, mais cheias, mais cobertas, com mais cor.


Lembro-me dos caminhos, rodando, voltando, virando, para não chocar com estas árvores, de troncos velhos nas suas cascas soltas, e das pedras, e das ervas macias, pisadas por tantos pés que como os meus os procuraram, os percorreram e se perderam.

Lembro-me deste corvo negro, de grande e forte bico, ou talvez que fosse outro igual, procurando a semente, debicando, saltitando em cada pé, como se uma dança entoasse, vadio, sozinho.

Vejo a lama que ficou da última enxurrada, lama que não conheço, que não recordo, porque o chão era seco quando me lembro de estar aqui. Piso a poça, salpicando a calça, sujando todo o sapato, molhando a meia e sinto o frio que ficou agarrado na água que me molhou, que esguichou debaixo do passo, que dei sem ver e sem cuidado.

Vejo o cão, que despreocupado saltita, corre, fareja cada pegada que deixo, como se quisesse lembrar-se de me ter visto por ali. Olha-me, chega-se, cheira-me, lambe-me a mão quando o afago no alto da cabeça peluda e parece rir-se para mim.

Continuo seguindo o caminho que parece que conheço, sem pensar, passo a passo, sem medir a distância que vou gastar, absorto no pensamento de recordar o caminho que já percorri.

De repente tudo muda. As árvores são outras, mais brilhantes, mais vivas, mais verdes. As flores nasceram entre elas, e trouxeram mil cores, a lama secou, os troncos afastaram-se para deixar passar o caminho de que já não avisto o fim, escondido pelo brilho de um Sol maior, mais claro e quente. Então perco a certeza de já ter estado ali.

Mas lembro os cheiros, lembro o calor, lembro os brilhos, lembro o fervilhar, mas não sei onde os senti ou onde os vi.

Paro, penso, recordo, mas nada se explica, nada se revê, nada se parece com nada. Sinto-me abanar nas incertezas, nos mistérios do que foi ou do que será, do que terei ou do que virá. Vejo uns olhos que me olham, uma boca que se entreabre num sorriso, uma mão que agarra a minha, um braço que me abraça. Sinto o teu calor que me envolve, e a paixão que me consome.

Revejo-me na cumplicidade do silêncio, no prazer da aventura, na vertigem da loucura que criámos, nas dores partilhadas, nas esperanças ajudadas, no sonhar a paz, no fugir e não ser capaz.

Sim eu já fiz este caminho, com outro Sol, com outra lama, com outras árvores, com outro corvo, com outro cão, mas nada foi assim. Não existia este brilho, não via esses olhos, não sentia essa mão, o abraço não se avistava.

Agora sim, sei a razão por que estou aqui.


(24.03.2013)

Sem comentários: