Fez-se luz, enorme, escaldante,
no nascer de mais um sol, no Verão chegado sem aviso, de surpresa, tarde no
tempo que se vivia, enquanto distraído fazia a descida sinuosa a que me
habituara. Os olhos piscaram ofuscados por tamanha luz, mas aceitaram aquela
dor, deixaram que os penetrassem, que percorressem os interiores obscuros, que
remexessem os segredos arrumados, que lhe ocupassem o coração. E a luz subiu, e
a luz fez-se nuvem, novelo, sonho e cresceu. E o sonho voltou e encheu os
olhos, e os olhos encheram o sonho, e os olhos e o sonho brilharam, brilharam e
ofuscaram e a luz cresceu.
Amanheceu, e o nevoeiro desceu,
cobriu o chão, ocultou os joelhos, arrefeceu as mãos, rolou como algodão macio
que mal se sente, leve. E o nevoeiro chegou aos olhos, ocupou os olhos, foi
apagando o brilho, avisou, avisou mas ninguém ligou, na rotina de tentar ver o
que não se via, de se sentir o que se queria, só porque sim. Neste Outono não
chovia, apenas a brisa a cheirar o frio, e o nevoeiro que subia.
Na tarde começou a crescer a
escuridão, o sol escondido pelas nuvens arrefecia, o nevoeiro não resistiu, o
vento levou-o, limpou os olhos que ficaram frios, arrumou cada mão na
algibeira, arrepiou o corpo em cada gota de chuva, instalou o desconforto da
roupa molhada, inundou a sola dos sapatos. As valetas encheram-se, formaram
correntes que arrastaram folhas mortas, separaram sombras. No Inverno muita
coisa morre, muita coisa adormece, muita coisa desaparece.
Quero acordar com uma luz suave,
que não me abane, quero ver nascer rosas, mas que o seu perfume só chegue
depois, que o vermelho se pinte nos anos, que os relógios marquem risos, que as
bocas falem silêncios, que as cumplicidades se façam Primavera.
#973
#973
Sem comentários:
Enviar um comentário