Estava sempre sentado naquele
banco de jardim, de manhã, bem cedo, como se já estivesse acordado à muito, mas
continuasse adormecido no sonho que acabara de sonhar, de olhos presos para
além de mim, de olhar que me atravessava sem me ver, olhando a flor que do
outro lado assomava, meia escondida no meio da relva mal tratada.
A mão segurava o cabo de vassoura
velha, quebrada, lembrando a cabeça de lobo que outrora encimava a bengala
vendida e que fora de prata, perdida entre o tempo e as necessidades.
Aquele velho, tão velho,
acompanhava os meus passos em cada manhã, obrigando-me a passar por ali, para o
lembrar, sem lhe falar porque não respondia, deixando que cada árvore o
dissesse por ele, que cada flor no seu perfume me visse, que a brisa me
acariciasse.
O indicador estava sempre
esticado, apontando o vazio que eu via, como se me indicasse alguém escondido
junto da flor amarela, vermelha, branca, azul, tanto fazia.
Tornou-se um hábito, um vício,
uma obrigação, ir, passar, olhar, ver, cruzar a linha vazia que desenhava com
os olhos, com o indicador esticado que apontava o vazio, onde eu já não
procurava ver mas que sabia, que mesmo assim existia feito caminho, desenhado
na luz que cada manhã iluminava, bem cedo, sempre cedo.
Ontem passei, olhei e não vi, o
banco estava vazio, o velho de olhar perdido e dedo indicador apontando,
segurando o cabo de vassoura velho e partido, não estava lá cedo, bem cedo. Não
podia cruzar a linha imaginária que não tinha princípio naquele dia. Parei,
fiquei, contei o tempo, passou o tempo e nada, o velho não aparecia.
Cheguei-me junto, hesitei, mas
decidi. Sentei-me. Não tinha bengala encastrada em cabeça de lobo que fora
prata, nem cabo velho de vassoura, partido, nem olhar vazio, mas o meu dedo
indicador esticou-se, apontou o nada, segui-o com os olhos e vi a flor amarela,
vermelha, branca, azul que longe se via, assomando atrás da relva mal-arranjada.
Fechei os olhos e quando os abri
senti que o meu olhar estava vazio, sem ver, sem enxergar, sem cheiro, sem luz,
sem cor. Então vi-me passar por ali a cruzar a linha que se não via.
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