domingo, 18 de agosto de 2013

A Ameaça (de um rugido).


As planícies enormes e verdes também mudam. Mudam as flores e as cores de que se vestem, mudam as árvores que crescem aumentando a sombra que delas caí, morrem outras desfeitas pelo raio trazido pela última tempestade, deixando no chão as marcas feitas carvão, mudam as sementes que a brisa transporta, agora para ali, depois para além.

Muda o rugido que se ouviu, de tom, de ameaça, de obrigação, e ecoa inundando os espaços, abanando as almas que o temem, as que o recebem, as que se submetem, as que o acatam.

Mas os olhos que lêem não mudam. Não mudam porque são dali, não mudam porque não temem os rugidos, as ameaças veladas, as imposições a que não obedecem. Os olhos que lêem escutam, conhecem aquele esgrimir, e avisam, avisam quem devem avisar, quem se está a deixar levar, quem enleado ficou no novelo do rugido, quem abandonou a sua própria essência e aceitou a submissão da falsa verdade.

E os corpos insinuantemente transparentes, perderam a sua transparência e os olhos negros que falavam todas as verdades, e que permaneciam fechados feito rugido surdo, deixaram o brilho apagar e as verdades deixar de jorrar. E os corpos que já não eram insinuantemente transparentes foram-se queimando ao sol, ardendo nos seus próprios desejos abandonados que morriam, e os olhos sem brilho fixaram uma imagem sempre igual para tapar a verdade e por isso cegaram.

E os olhos que sabiam ler viram o rugido ser expulso pela planície, para que não destruísse outros corpos insinuantemente transparentes, nem cegasse mais olhos negros, que mesmo fechados continuavam a mostrar as verdades do que os corpos sentiam.

Morreu um corpo insinuantemente transparente, cegaram os olhos fechados que gritavam verdades, mas quem sabe não volte a jorrar do chão que o engoliu, mas quem sabe se o par de olhos negros, fechados, não voltem a dizer as suas verdades e se abram devagar, para voltarem a ver, voltarem a sentir, voltarem a sonhar, deixando os olhos que sabiam ler interpretar os seus silêncios tão transparentemente verdadeiros.

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