Não me lembro quando aconteceu. Naquele dia ia visitar alguém da minha família, alguém a quem devia carinho. Fazia tempo que não nos víamos, tinha-lhe telefonado a combinar. Estacionei o carro á porta, toquei á campainha, a porta abriu-se, no átrio dirigi-me ao elevador, premi o botão de aço riscado, a luz vermelha acendeu, esperei.
Ouvi o toque de chegada, quem ia visitar morava no décimo terceiro andar, e a porta do elevador começou a correr lentamente, a abrir-se. Levantei os olhos e vi uma mulher que já o ocupava (devia ter entrado na cave, a garagem do prédio para os moradores). Era uma «miúda», talvez uns vinte e cinco anos mais nova do que eu, morena, cabelo comprido que cobria os ombros, olhos negros, muito negros, redondos, grandes, pintados com uma sombra levemente castanha que os realçavam. A boca era carnuda, os lábios reluziam num batom vermelho, a face estava levemente sombreada.
Vestia um vestidinho curto, cheio de desenhos e cores. Estava bronzeada daquele verão. Calçava umas sandálias de couro atadas no tornozelo. Trazia uma sacola de lona vermelha pendurada no ombro, e pelo seu volume, deveria transportar metade da casa lá dentro (não sei como as mulheres conseguem andar com toneladas às costas).
Dei-lhe os bons dias e ela respondeu com um sorriso. Carreguei no botão do elevador e a porta fechou-se atrás de mim.
Enquanto procurava um lugar para me encostar, os nossos olhos encontraram-se e pararam ali. Fixei aqueles olhos negros, redondos e profundos e senti uma força, uma atracção, um magnetismo, e fiquei ali. Senti um convite para entrar naquele olhar, um arrepio, o desconhecido que nos desafia, a luta de quem se quer afirmar mais forte.
Não sabia se queria afastar os olhos, se me estava a tornar provocador, ameaçador ou se a estava a embaraçar. Acho que ela sentiu o mesmo, mas o olhar ficou na mesma, parado bem no fundo dos meus olhos, afirmando-se, rindo do desafio misterioso que continha.
Ficámos assim, estáticos, olhando o outro bem dentro da alma que se agitava gritando – “Tirem-me daqui” – e que ao mesmo tempo nos mantinha presos, sem conseguir pensar em mais nada que não fosse – “Não vou desistir”.
E nenhum de nós desistiu. Continuámos ali a abanar por dentro, ocupados que estávamos a juntar as forças, em manter o foco, concentrados, inteiros, até que o elevador abrandou no décimo primeiro andar. Ouvi o toque de chegada e a porta começou a deslizar suavemente.
A “miúda” de vestido curto, começou a virar-se e saiu. Mas antes de desviar o olhar, sorriu.
3 comentários:
Ahahahahah... dificilmente os olhos mentem
Bjos
DD
Não metem não. Metem-nos é em alhadas e pregam-nos partidas.
Mas tenho uma fixação em olhos e, quanto mais forte é um olhar maior o desafio. É irrecusável!
Obrigado pela tua visita e pelos teus comentários.
Bjs, DD.
Lá se evaporou um *n do *mentem
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