… na noite … sou cego …

Na noite de escuridão completa, em que nada se vê, nada se enxerga, confundem-se sombras, escondem-se os sonhos, morrem todas as ilusões, ocultas, apagadas, perdidas onde ninguém as pode ver, sumidas nesse mar negro que as cobre, sem sol, sem lua, sem deus, sem fé.

Na noite tudo se permite, na noite tudo se consente, na noite a mentira parece verdade, o ódio parece amor, a verdade soa a falsidade, o piar do mocho é igual ao trinar do rouxinol mais azul, a distância parece curta, o chão parece mar, todos parecem cegos e os surdos parecem ouvir.

Na noite inventam-se histórias só para nos divertir, na noite oferece-se amor por vingança, na noite não há esperança, na noite qualquer dor é capaz de fazer sorrir.

Na noite podes dizer que és livre, podes pensar que és livre, podes fingir que és livre, mesmo sabendo que não és, na noite não existem espelhos, não há imagens reflectidas, não há brilhos nem centelhas, na noite o dourado é preto, a beleza esconde-se, os passos não se vêem.

Na noite tudo é igual, nada se distingue, o gordo pode ser magro, o feio pode ser belo, na noite só os cegos vêem mais além, andam sem tropeçar, escutam o silêncio, conhecem a treva.

Na noite fecho os olhos, cheiro a escuridão, adivinho as palavras, escuto os passos, distingo, penso, vejo… e rio-me!

10.06.2013