Olho para dentro de mim. O que vi?
Apenas um homem! Um homem igual ao que ontem era, só que com mais momentos, que se esgotaram porque passou o seu tempo.
Continuo aqui, a ouvir a chuva que caí lá fora. Devagarinho, sem pressa porque não o teme. A chuva não tem momentos que passem pelo tempo.
Eu também não. Os momentos estão distantes, muito distantes. Os olhos estão fechados. Imagino o que virá.
Mas não vejo, não adivinho, não consigo. Só oiço a chuva que calmamente, muito devagarinho, vai batendo na janela. Concentro-me no seu murmurar, no doce tilintar das gotas, que se juntam, que se colam, que se fundem, e formam pequenos rios que se vão perder no parapeito.
Sinto o frio que imagino transportarem, porque foi de longe que vieram, no seu avançar pelo céu coberto, antes de chocar com a minha janela. Interrompo o que faço, vou espreitar. Tudo escuro e silencioso, nenhuma janela tem luz, apenas a minha, só mesmo a minha. À esquerda vejo as árvores do parque, que já ontem o habitavam, nos mesmos lugares onde estarão amanhã. As copas ondulam ao vento, entoando uma dança que só pode ser uma valsa.
Como queria que fosse antes tango, apaixonado, quente… mas não, não o ouvi ao olhar as árvores. Voltei, voltei para aqui.
Os dedos frios não queriam escrever, mas teimei, teimei.
Não quero mais ouvir a chuva, só este teclado.
Olhei outra vez para dentro de mim, e desta vez sei o que vi.
Vi tudo o que me dói, me magoa, me arrasta, me fere, todos os momentos, o enorme tempo, o que não quero, o que odeio, o que quero conseguir fingir, os medos, os fantasmas, a escuridão que me envolve e fecha o horizonte ali bem perto e o tempo….O tempo outra vez.
Vi o orgulho, a teimosia, a voz que me grita aos ouvidos sem descanso, senti o revolver das entranhas, a vontade, o nó, o laço que me aperta a garganta, que impede o grito de jorrar enorme, o arrepio, o medo, toda a cobardia (e como a odeio), e ouvi…
Ouvi por breves momentos, senti a voz das palavras que li. Poucas palavras, curtas frases, banais e ridículas, tantas sem sentido, deixando largos momentos entre elas, como se quisessem mostrar como eram doridas, sentidas, desejadas mesmo assim. Depois mais nada. Aquela frase ficou inacabada, porque era preciso que assim fosse, que de mistério se envolvesse, que a resposta não chegasse, que o sentido se perdesse, que o sentimento esvoaçasse. Assim foi.
Tremi.
Depois, depois nem sei. Foi um furacão, misturando o prazer, o amor, a paixão e aquela desilusão. Misturou-se tudo, a revolta apareceu, a fúria enorme apareceu na ameaça da loucura que prometia arrasar, pisar, moer, ferir até mais não poder, gritar toda a indignação.
Mas não gritei, não violentei, não feri, apenas escrevi. Toda a verdade inundou o papel, como uma enorme mancha foi alastrando, pintando, tingindo o que branco já fora. Escrevi tudo o que senti, a enorme pena, as saudades, as queixas, disse tudo o que havia para dizer.
Tudo não, ainda faltava mais qualquer coisa que me afogava. Não era aquilo que eu queria, não era nada daquilo que sentia, o amor voltou com toda a sua força, como se toda a luz me estivesse a queimar, pouco a pouco, devagar para saborear. Abanou, abanou como se me quisesse acordar e sem forças não resisti. Deixei-me abraçar, senti o calor que não tinha, vi os olhos que matam as minhas saudades, e tremi outra vez, tremi pelo sonho, pelo desejo, pela vontade de voltar ao que já tive.
Agora a chuva caí mais forte. Muito mais forte. Os pequenos rios formam mares, onde as rodas dos carros alinhados junto aos passeios desertos, vão mergulhar.
A chuva continua a cair, mas eu continuo aqui, seco e em silêncio, a contemplar o tempo por onde teimo em passar.
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